31 outubro 2006

TUDO ÀS ESCURAS

André Petry
Veja - 1/11/2006

(resume praticamente tudo o que penso a respeito da campanha de Alckmin)

No dia 26 de setembro de 1960, aconteceu o célebre debate televisivo entre John Kennedy e Richard Nixon, que inaugurou a idéia de colocar candidatos em confronto em transmissões ao vivo. No dia seguinte, Clark Clifford, conselheiro de Kennedy, mandou-lhe uma carta curta e objetiva. Elogiava o desempenho de Kennedy e alinhava três sugestões para os debates seguintes. A primeira dizia assim: "Nixon está dizendo que vocês dois têm os mesmos objetivos, apenas diferem sobre os meios de alcançá-los, mas isso é falso". E encerrava, apelando: "Você não pode permitir que ele crie a ilusão de que vocês trabalham para o mesmo fim". Kennedy não permitiu. E ganhou.
Na campanha de Geraldo Alckmin, faltou alguém para lhe dar esse conselho singelo. As pesquisas indicam que, neste domingo, Alckmin perderá a eleição. Mas o problema não é perder uma eleição. Isso é próprio da democracia. Alguém sempre perde. O problema é perder a eleição sem cumprir seu papel de apresentar-se como uma alternativa concreta. Alckmin não foi capaz de usar sua campanha para mostrar o essencial: que o projeto tucano é diferente do projeto petista.
Não mostrou que seu partido defende a radicalização da experiência social-democrata no Brasil, mobilizando todo o seu empuxo modernizador e seu sentido libertário. Não defendeu sua crença no capitalismo avançado. Não conseguiu sequer defender a privatização. Em vez disso, resolveu fazer o campeonato da intensidade: era mais emprego, mais escola, mais crescimento. No auge dessa disputa, Alckmin disse que era mais esquerda do que Lula e mais pobre do que Lula (a contenda patrimonial, a se julgar pelas declarações de bens apresentadas pelos candidatos, dá 691.000 reais contra 839.000 reais, com vantagem para Lula, o menos pobre).
É possível que a exposição das idéias tucanas não levasse à vitória eleitoral, mas o inverso também não levou e, para piorar, ainda deixou tudo às escuras. Se mostrasse com clareza que o projeto tucano é diferente do projeto petista, a oposição poderia até não mudar o resultado das urnas, mas colheria dois dividendos: teria ajudado no seu compromisso pedagógico de esclarecer as massas, que é papel da oposição em qualquer democracia, e não teria se rendido à demagogia paralisante de que o país pode crescer sem cortar nada, pode crescer sem fazer sacrifícios, pode crescer sem suor.

26 outubro 2006

O DIA DA  ELEIÇÃO


(With a litlle help from Vinícius)
Neste momento há uma eleição em andamento.
E eu sou o jurado.
Há um misto de alegria e desalento.
Cheio de significado.


Os bondes, lá, não andam em cima dos trilhos, mas a vida, cá, continua fluindo em ondas, como o mar.
Aqui, felizmente, já não há uma dura realidade da qual fugir, mas, lá, sim, pois há, ainda, quem pratique amor sem vontade.
Ao mesmo tempo em que há uma profunda discordância com os desacertos planaltinos, aqui brota um renovar-se de esperanças com os acertos sem desatino, o ajuste fino, a descentralização como destino, genuíno, cristalino.
Há uma sensação angustiante.
Medo de aloprado.
Um espetáculo de gala, contagiante.


Mas que requer muito cuidado.
Afinal, lá ainda há vampiros pelas ruas, e isso não é fado, é enfado. Até há aumento no consumo, mas a lua já não é cheia, minguou, nem permanece impassível, ao contrário, é cada dia mais combustível.
Lá, uma tensão inusitada.
Porque há um culpado.
Enquanto segue um piquenique titânico.
Adulando o predestinado.
O day after por lá não há de ser festivo, mas apreensivo, pois urna não anistia ninguém e a vontade do povo não se sobrepõe à Constituição, que, em verdade, é o povo por extenso. Cá, em contraste, logo todos os bares estarão repletos, os namorados de mãos entrelaçadas e os maridos funcionando regularmente.

Há um frenesi de dar banana.
De quem foi julgado e renegado.
E uma comemoração fantástica.
De quem foi beneficiado pelo resultado.

Aqui, quem dá bananas é o mito desmascarado, acabado, calado, finado, passado, sublimado.
Lá, quem comemora é o mito do proletariado, ainda mascarado, mas já cercado, à espera do delegado para cobrar o seu pecado.

Aqui, quem comemora é quem foi louvado, amado e alçado, porque soube entender o recado, sempre foi um bom soldado, um bom aliado, fez do povoado um eldorado e soube agir como magistrado, beneficiando por inteiro o Estado.
Lá, paradoxalmente, quem fica com as bananas é quem merecia a faixa.



Neste momento ainda há criancinhas que não comem.
Ainda há divórcios e violamentos, um rico que se mata e um garden-party na cadeia.
Ainda há incestos e acréscimo de sífilis, mulher que apanha e cala e um sedutor que tomba morto, um noivo louco de ciúmes e adolescências seminuas.
Mas, dando os trâmites por findos, reafirmo meu otimismo por confiar nos homens e mulheres lúcidos e conscientes, libertos da camisa de força gramsciana.
Homens e mulheres cada vez mais necessários para exigir o desmascaramento das trapaças, crimes e traições.
Reafirmo meu otimismo, pois há a perspectiva de muitos domingos, radiosos, depois da turbulência que se aproxima, mas que passará.

"Existem juizes em Berlim", disse o artesão ao enfrentar o rei da Prússia, e vencer. Resta-nos esperar que também existam juízes dignos deste nome no Brasil, que não se deixem intimidar com os uivos da matilha.
Reafirmo meu otimismo porque Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.
Mas, por via das dúvidas, livrai-nos, meu Deus, de todo mal.

20 outubro 2006

JAMANTA & MUNCHAUSEN


É difícil, muito difícil, competir com quem não tem o menor respeito pelas regras mais simples, pelas normas mais comezinhas, pelos mais básicos padrões civilizatórios. Gente dessa laia não mede as conseqüências dos atos que pratica para atingir seus objetivos. Em seu universo paralelo, distante e estranho ao da ética, importante é ganhar, feio é perder!

Analisada por esse prisma, a aliança envergonhada (por absurda) entre Lula e Amin até faria algum sentido. Afinal, ambos usam e abusam de seus carismas para, sob sua sombra, urdirem as mais cavernosas trapaças eleitoreiras e, sob seu manto, espezinharem a lógica, descartando-a como um piano de cauda herdado, que não cabe na exígua sala dos seus pensamentos.


Apanhada de surpresa com o advento do 2° turno, a estratégia clean da campanha lulo-petista foi abandonada, surgindo em seu lugar a máquina de lavagem cerebral. Uma das suas armas mais potentes - pois inventada, “plantada”, cultivada e “comprada” há anos, primeiro pela “intelequitualidade” engajada e, depois, pela mídia “politicamente correta” -, é a satanização das privatizações.

Exemplo típico da lógica de quadrilha, esse mantra, recuperado do lixão da História e reciclado nas catacumbas petistas, volta como um fantasma para assombrar a candidatura Alckmin. Lógica capenga, pois não dá conta de explicar a inexistência de uma auditoria para investigar tudo de “errado” que, durante anos (e agora de novo) diziam haver de errado no que chamavam (e voltam a chamar) de “privataria”, neologismo que tenta fazer a simbiose entre privatização e pirataria. E não fizeram auditoria porque nada há de errado. E se houvesse, a lógica mandaria considerar os petistas como cúmplices, acobertadores, negligentes ou prevaricadores, não há terceira saída.


Outro viés ilógico dessa lógica canhestra utilizada pela súcia petista é tentar justificar a insistência em carimbar Alckmin como privatista, mesmo ele negando e renegando, com o risível argumento de que “o partido dele só sabe fazer isso”. Ora, como dizem os caboclos, “pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Então, obedecendo à mesma lógica intuitiva e primitiva, seria lícito dizer que Lula vai continuar roubando, quebrando sigilos de caseiros, carregando dinheiro em cueca, traficando dossiês fajutos, pois “o partido dele só sabe fazer isso”.


De negativo, em relação às privatizações, não existe nada, rigorosamente nada, de concreto, apenas a espuma venenosa da baba gramsciana que os petistas tão bem souberam infiltrar nas mentes porosas dos desavisados, crentes ou ingênuos. Já em relação ao banditismo da quadrilha que assaltou o poder junto com Lula, as provas abundam, seja na imprensa, nas CPIs, no Ministério Público ou na Polícia. O que nos leva à seguinte questão: o que é melhor, a “privataria” ou a pirataria? Sim, pois é disso que se trata. Um entrou nas estatais pela porta da frente e, num processo público, aberto e transparente, fez o que seus inimigos tacharam de “privataria”. Outro permitiu que se invadisse as estatais arrombando a porta dos fundos e dilapidando o seu patrimônio, especialmente o ético, moral, institucional. O resto é lavagem cerebral...


Amin (que também nesse quesito está na má companhia de Lula) prefere atacar a lógica e o bom senso através da estatística (que, diz a piada, é como o biquíni: mostra muito, mas esconde o essencial). Ambos escolhem, moldam, lapidam e distorcem dados e números para se dizerem os únicos que um dia fizeram alguma coisa de positivo. Um não se cansa de repetir que “nunca antes NestePaiz” se fez tanto; outro, prefere jactar-se de ser donatário de um passado irretocável e proprietário de um futuro tão aprazível quanto facilmente realizável, amaldiçoando apenas o presente, que acredita ter-lhe sido usurpado por infiéis que ousaram não reconhecer-lhe a titularidade do feudo.


Ambos são farsantes, oportunistas, autoritários, ilusionistas, ególatras, demagogos e populistas. Mas há um traço bastante dessemelhante entre ambos. Enquanto um tem uma incrível capacidade de não saber nada, não ouvir nada, não perceber nada, como aquele Jamanta da novela,
o outro acredita saber de tudo, o que o faz dizer bobagens, sandices e mentiras com uma solenidade digna de um barão de Munchausen.


Ambos se merecem.
VIDA INTELIGENTE NA BLOGOSFERA


Para quem ainda não conhece, sugiro uma visita ao mais inteligente, instigante, analítico e desmistificador blog que já acessei (www.reinaldoazevedo.com.br/).
Trata-se de um veterano jornalista que, apesar de atualmente dedicar-se quase exclusivamente à política, numa verdadeira cruzada anti-Lula, passada a eleição certamente voltará a brindar seus leitores com sua visão privilegiada também da conjuntura internacional, das artes, das humanidades, enfim.



Dono de uma erudição invulgar e uma cultura geral rara, além de uma forma desabrida e corajosa de enfrentar algumas taras e tabus quase intocáveis, por força da praga do “politicamente correto”, neste momento sua contribuição para o debate das idéias tem sido particularmente interessante no tocante à análise dos vícios adquiridos pelos jornalistas e pela intelectualidade brasileira.


Com sua larga experiência nas redações de importantes veículos de comunicação do País, Reinaldo desvenda os truques e as más intenções do jornalismo engajado – que, por sinal, não considera condenável em si, desde que fosse explícito – e também a farsa do “isentismo”, outra variante do “politicamente correto”, que tenta posar de democrático.


De fato, se analisado em profundidade e sem preconceito, o jornalismo engajado não é um mal em si. O sujeito que, abertamente, defende determinado candidato ou apóia determinada causa, pode até perder leitores que abominem sua visão de mundo, mas não será por desonestidade intelectual e profissional. Em contrapartida, ganha a fidelidade daqueles que com ele concordam, que passam a buscar suas análises como fonte de entendimento das intrincadas manobras, idas e voltas da política nacional, estadual ou municipal. Grandes jornais e revistas dos EUA tomam partido abertamente nas eleições presidenciais. A conservadora revista inglesa The Economist não esconde, ao contrário, escancara, sua posição radicalmente favorável à legalização do comércio de todas as drogas.


Quanto ao famigerado “isentismo”, trata-se de uma praga das mais nocivas e mortais para o bom funcionamento do raciocínio médio, mediano ou medíocre, pois, ao tentar ser justo, imparcial e democrático, trata igualmente os desiguais, dá peso e valor a quem não os merece, tudo em obediência à ditadura do “politicamente correto”.


Em suas invectivas contra essa chaga que debilita a vitalidade do nosso jornalismo, Reinaldo costuma dizer que, hoje, os nazistas teriam o beneplácito de serem ouvidos e teriam espaço para dar a sua versão dos fatos, afinal, é obrigatório ouvir o “outro lado”. Marcola, Fernandinho Beiramar, Delúbio, Marcos Valério, qualquer bandido ou criminoso, se tiver desejo e cara-de-pau suficientes para tal, terá o seu “sagrado” espaço reservado para lançar os seus dejetos verbais.
Outra forma criminosa de “isentismo” é publicar, sem preocupação com os neurônios do leitor, qualquer besteira, por mais absurda que seja, desde que proferida por alguém que seja considerado autoridade ou celebridade. Quando, por exemplo, Lula afirma que “nunca tentou impedir o funcionamento das CPIs”, isso é transcrito literalmente e a informação se encerra com um cúmplice ponto final. Não há um box ou uma retranca ao lado para desfazer a deslavada mentira e, de fato, informar o leitor. Quando, em outro exemplo, Esperidião Amin afirma que vai aproveitar o embalo do escândalo do dossiê petista e da dinheirama mostrada nas TVs, para tentar encenar uma pantomima semelhante por aqui, pois “se deu certo lá, há de dar aqui também”, os jornalistas contentam-se em reproduzir tamanha indecência, sem emitir qualquer juízo de valor a respeito desse tipo canhestro de esperteza de quadrilha. Pior, em alguns casos nota-se, claramente, um certo culto reverencial a personagens que se mostram hábeis em criar frases de efeito, inventar enredos fantásticos ou driblar a verdade com factóides.
Consumir notícias nunca mais será a mesma coisa depois de algumas “aulas” do professor Reinaldo.

Sua capacidade de identificar e desconstruir as manhas e artimanhas dos nossos jornalistas é invejável. Sua ironia, leveza e precisão de análise tornam essas sessões de desnudamento intelectual e ideológico um prazer tão grande, um abrir de olhos tão enriquecedor que muitos confessam-se viciados.Para quem não é escravo do lulo-petismo, vale a pena uma visita diária a esse oásis no imenso deserto informativo nacional, talvez o único espaço completamente desintoxicado e livre do vírus gramsciano que tanto mal já causou à inteligência e à formação do caráter nacional.

04 outubro 2006

ARDILOSO OU MENTIROSO?


Antes do início da campanha, quando ainda tentava aliança com o PFL, Amin disse que apoiava Alckmin.
Depois de abandonado por seus antigos parceiros, na esperança de obter os votos petistas num eventual segundo turno, disse que nunca deu apoio a Alckmin. Quem quiser conhecer a verdade, basta ler o jornal Zero Hora, de 25/04/2006: “Ontem, em Porto Alegre, os candidatos do partido ao governo do Rio Grande do Sul, Francisco Turra, e de Santa Catarina, Esperidião Amin, divulgaram carta com 11 sugestões ao programa de governo tucano”; ou o Correio do Povo do mesmo dia, onde, entrevistado, Amin destacou “a afinidade de idéias entre PP e PSDB e classificou o apoio como natural”.



Qual Amin é o verdadeiro? Nenhum! Para ele só existe o presente eterno, que vai existindo segundo a necessidade da hora.


Germano Rigotto passou da condição de favorito à reeleição para terceiro colocado por algo que os gaúchos não perdoam: falta de posicionamento. Não assumiu Lula nem Alckmin, e ficou a ver navios. Os gaúchos dizem, com razão, que só gostam de pelego para montar.




Indignado com o afastamento de velhos aliados, sem se perguntar o que teria feito para que o abandonassem, Amin passou o primeiro turno inteiro criticando o que chamava de “ajuntamento”, que, na verdade, nada mais era que uma inédita e bem conduzida tríplice aliança, costurada com maestria por Luiz Henrique. Pois não é que, nem bem terminado o 1o turno, o ácido crítico da aliança correu em busca de um ajuntamentozinho, espargindo elogios aos perdedores, dizendo-se aberto a incluir suas propostas no tal contrato com Santa Catarina e oferecendo espaços num eventual governo!

Em qual Amin acreditar? Em nenhum! Para ele a verdade é algo que vai se amoldando às exigências de cada momento.


Na cerimônia em que recebeu o Nobel de Literatura de 2005, o maior dramaturgo inglês da atualidade, Harold Pinter, leu o seu discurso de 46 minutos por meio de uma fita de vídeo, já que estava internado devido a um câncer.
Nele, Pinter disse que em 1958 escreveu que, quando se trata de arte, "não existem distinções concretas entre o que é real e o que é irreal, nem entre o que é verdadeiro e o que é falso. Uma coisa não é necessariamente ou verdadeira ou falsa; pode ser verdadeira e falsa a um só tempo". Desse trecho, podemos deduzir que Amin é um artista.


Mais adiante, porém, ele disse: “Acredito que essa alegação continue a fazer sentido e continue a se aplicar à exploração da realidade por intermédio da arte. Portanto, como escritor eu reafirmo o que disse. Mas não posso fazê-lo como cidadão. Em minha condição de cidadão, me cabe perguntar: O que é verdadeiro? O que é falso?”. Já neste trecho, o cidadão Amin não se compara com o seu antípoda inglês.


Falando com dificuldade, Pinter lembrou que 100 mil iraquianos e dois mil soldados norte-americanos foram mortos – sem contar os milhares e milhares de feridos e mutilados – porque a verdade não interessava ao presidente Bush. Qualquer semelhança não é mera coincidência...


Segundo o Houaiss, ardiloso pode ser aquele que se vale de astúcia, manha ou sagacidade, mas também é aquele que visa iludir, lograr, através de armações ou ciladas. Ainda segundo o Houaiss, mentiroso é aquele que faz afirmações baseadas em mentiras, que dá falsa idéia da realidade, que induz ao erro, que é inexato, aparente, fingido, hipócrita, ilusório, que pratica o engano, a falsidade, a fraude, que é falacioso, falso, doloso.


Confesso que me é difícil escolher a melhor definição para o candidato Amin.


A desvantagem do ardil é que, pela sua própria tendência de reproduzir-se mecanicamente ad infinitum, ele só serve para ludibriar ignorantes.


Felizmente, os eleitores catarinenses de ignorantes não têm nada.