01 agosto 2012

A GERAÇÃO “i”
(publicado em A Notícia de 19 de julho de 2012)


 Lá por meados do século 18, o filósofo francês Ernest Renan comemorava o fato de que “o mais vulgar dos alunos sabe agora verdades pelas quais Arquimedes sacrificaria a vida”. Decorridos dois séculos, a quantidade das informações disponíveis é tamanha que, paradoxalmente, poderíamos dizer que estamos nos tornando mais ignorantes a cada dia.
 Stephen Kanitz, administrador por Harvard, fez as contas: se lermos três livros por mês, entre os 20 e os 50 anos, serão mil livros ao longo da vida, nada perto dos 60 mil publicados todo ano, só no Brasil, e a anos-luz dos 32 milhões de livros catalogados na biblioteca do Congresso Americano. Quando se fala em internet, aí entramos em outra dimensão, com bilhões de sites e blogs. Ou seja, mesmo lendo constante e assiduamente, nosso conhecimento não passará de 0,000000000025% do total existente.


Diante disso, e principalmente do lixo que nos é transmitido diariamente por blogs, chats, podcasts e portais da internet, se não acionarmos a luz vermelha da vigilância epistêmica, a chamada “era da informação” pode se transformar numa “era da desinformação”.


Mas o que vem a ser vigilância epistêmica?


Nada sofisticado, apesar do nome pomposo. Apenas um pé atrás em relação ao que lemos. Afinal, hoje todos têm a liberdade de expressar sua opinião e multiplicá-la ad infinitum, sem compromisso com o rigor científico e epistemológico e, às vezes, nem com os fatos.


Separar o joio do trigo não é tarefa fácil, requer uma boa base anterior de conhecimentos, sem a qual se torna quase impossível suspeitar de uma fraude, primeiro passo para se aproximar da verdade.


Nos tempos de Renan, as mentes enciclopédicas até podiam levar vantagem, mas hoje só se destaca quem tem mente indagadora e esquadrinhadora, capaz de discernir um fruto maduro e saboroso no imenso balaio virtual e, a partir dele, formar um pensamento crítico e original, que tenha a coragem de remar contra a maré, contra a doxa, contra a manada.


Quem tem filhos pequenos, a garotada da geração “i” (iPod, iPad, iPhone, iCloud), precisa ficar muito atento para os riscos embutidos em tudo de bom que essas maravilhas tecnológicas nos proporciona. Uma boa dica é ler a fábula “Dois Asnos”, de La Fontaine. Nela descobrimos a armadilha que o destino reserva para aqueles que se alegram com as facilidades aparentes. Sobre o lombo de um dos burros, acomodou-se uma pesada carga de sal. Para o outro, coube transportar levíssimas esponjas. Na travessia do rio, o sal do primeiro derreteu. As esponjas, encharcadas, pesaram tanto que afogaram o segundo.


Ou seja, não devemos nunca nos iludir com a leveza, achando que na moleza se consegue algo, nem amaldiçoar a dureza, pois que é ela que nos prepara para, ao fim e ao cabo, termos uma carga mais leve e prazerosa.