24 novembro 2006

HORRORISMO


Recentemente, o escritor inglês Martin Amis escreveu longo texto para o jornal The Observer, intitulado “A Era do Horrorismo”, aonde fez profunda, lúcida e desapaixonada análise do terrorismo islâmico, que, segundo ele, inaugura uma “Era da Normalidade Desaparecida”.
Conforme avançava na leitura do texto, envolvido que estava nas nossas questões políticas, partidárias e eleitorais, não pude deixar de encontrar inúmeras conexões e similitudes com a nossa realidade. A seguir, alternarei trechos selecionados do texto de Amis com paráfrases minhas pertinentes à nossa realidade local.

AMIS: “Até recentemente, dizia-se que havia uma ´guerra civil´ no interior do Islã. Bem, a guerra civil parece ter acabado. E o islamismo a venceu. O perdedor, o Islã moderado, está sempre ilusoriamente bem representado nas páginas de opinião dos jornais e no debate público; fora disso, ele é ocioso e inaudível. Não estamos ouvindo o Islã moderado, ao passo que o islamismo, como ator e modelador dos acontecimentos mundiais, é praticamente tudo que conta”.
Aqui também parecia estarmos vivendo uma “guerra civil”. Bem, ela acabou. E o lulismo a venceu. Os perdedores, PSDB e aliados, continuam bem representados nas páginas de opinião dos jornais; fora disso, parecem ociosos, inaudíveis e facilmente cooptáveis. Não estamos ouvindo as oposições, ao passo que o lulismo, como ator e modelador dos acontecimentos nacionais, é praticamente tudo que conta.

AMIS: “Respeitamos o Islã – produtor de benefícios incontáveis à humanidade, e possuidor de uma história eletrizante. Mas islamismo? Não, dificilmente poderiam nos pedir que respeitássemos uma onda religiosa que prega nossa própria eliminação. Claro que respeitamos o Islã. Mas não respeitamos o islamismo, assim como respeitamos Maomé e não respeitamos Muhammad Atta”.


Houve um tempo em que até respeitávamos o PT – possuidor de uma história eletrizante. Mas lulismo? Não, dificilmente poderiam nos pedir que respeitássemos uma onda autoritária que prega a eliminação da própria democracia. Respeitávamos Suplicy, Heloisa Helena, Cristovam Buarque, Paulo Delgado, mas já não podemos respeitar Lula, José Dirceu, Genoíno, Berzoini, Mercadante, Okamoto, Palloci, Gushiken.
AMIS: “O assassino em massa e suicida colocou para o Ocidente uma crise filosófica. A ingenuidade racionalista era mais fácil que a assimilação da alternativa: a existência de um culto patológico. E se nos dispusermos a ouvir a retórica de desilusão e auto-hipnose, poderíamos ouvi-la também de um laureado por Estocolmo – o romancista português José Saramago, que enfoca seu olhar sublime no fenômeno do assassínio em massa por agente suicida: ´Ah, sim, os horrendos massacres de civis causados pelos chamados terroristas suicidas... Horrendos, sim, sem dúvida; condenáveis, sim, sem dúvida, mas Israel ainda tem muito a aprender se não é capaz de compreender as razões que podem levar um ser humano a se transformar numa bomba´”.
A busca desenfreada pelo poder colocou para o PT uma crise filosófica. A militância preferiu a ingenuidade racionalista, mais fácil que a assimilação da alternativa: a existência de um culto patológico pelo poder. Se quisermos ouvir a retórica lulista de auto-hipnose, podemos escolher à vontade na elite petista cheia de pedigree – de Marilena Chauí a Paulo Betti, de Emir Sader a Tarso Genro – todos lançando seus olhares sublimes sobre o fenômeno do apodrecimento da política: ´Ah, sim, os horrendos mensalões, dossiês, quebras de sigilo, cartilhas superfaturadas ou inexistentes, produzidos pelos chamados aloprados petistas... Horrendos, sim, sem dúvida; condenáveis, sim, sem dúvida, mas os burgueses ainda têm muito a aprender se não são capazes de compreender as razões que podem levar um militante leal a se transformar num corrupto pela causa´.
AMIS: “É doloroso parar de acreditar na pureza e na sanidade mental, do injustiçado social. É doloroso começar a acreditar num culto da morte, e num inimigo que deseja que esta guerra dure para sempre”.
É doloroso, mas imperioso, parar de acreditar na pureza de quem, por frio cálculo eleitoral, jogou, conscientemente, todas as suas bandeiras e esperanças na lata de lixo da História.
Um horror!

Um comentário:

Zé Costa disse...

Geralmente concordo com você, mas dessa vez acho que você foçou a barra. Lula e o PT são indissociáveis. Não há como respeitar e não respeitar o outro. Ambos são um estorvo para a democracia.