23 janeiro 2007

SIM, DESCENTRALIZAR NÃO É SÓ FAZER OBRAS!

RÉPLICA
O artigo “Descentralização não é só fazer obras”, do jornalista e professor Laudelino José Sarda, está correto na concepção, mas equivocado na avaliação que apresenta. O conceito de que o governo não pode ser só um executor de obras, mas deve ser promotor de uma revolução, é perfeito. O texto que pretende nutrir-se do conceito, porém, contraria o princípio básico do jornalismo de checar as informações. Seu pecado foi ter escrito sobre descentralização sem descentralizar seu olhar. Um texto de gabinete, escrito a partir de Florianópolis, pode até ser conceitualmente válido, mas colide frontalmente com a realidade. Dizer, por exemplo, que nossas escolas têm desempenho equivalente às dos anos 70 é desconhecer que, hoje, todas elas estão informatizadas e com acesso à internet.
Se o nobre jornalista se desse ao trabalho de circular pelos nossos interiores perceberia que há uma profunda e silenciosa revolução em marcha.
É revolucionário o princípio básico das SDRs de estabelecer um inédito processo de discussão comunitária, desde a diagnose dos problemas até a definição das soluções, valorizando o conhecimento local (tradicional ou técnico), as especificidades, valores e características próprias, de modo a fortalecer a massa crítica local.
É revolucionário o papel das SDRs quando buscam, para além dos convênios e alocações de recursos, o planejamento, a articulação e a indução, levando cada região a agir de forma sinérgica, seja na eleição de prioridades, seja na definição das soluções mais adequadas e criativas.
É revolucionária a elaboração de 30 Planos de Desenvolvimento Regional, feitos com metodologia e orientação técnica do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Vale dizer que Santa Catarina é o único estado brasileiro que conta com um escritório desta entidade, graças à empolgação com o que consideram “uma verdadeira revolução na gestão administrativa governamental”, digna de ser acompanhada e, depois, difundida pelo resto do país.
É revolucionária a participação de milhares de pessoas, dos mais diversos setores da sociedade, organizados em Comitês Temáticos (de cultura, turismo, educação, saúde, agricultura, pesca, planejamento) que elaboraram 30 diagnósticos que espelham 30 realidades diferentes e 30 projetos com propostas específicas, validadas pelo universo de participantes que as elaboraram e aprovadas pelos respectivos Conselhos de Desenvolvimento Regional.
É revolucionário um método que tem por base a formação de agentes locais do desenvolvimento, a valorização da cultura, das vocações e das características locais, numa construção de baixo para cima que exigiu milhares de reuniões, que identificaram milhares de líderes e os capacitou para a tarefa de serem condutores desse processo.
Diferente da visão distante e, por isso, distorcida, que o jornalista apresenta, a realidade é que muitas obras (mais adequadas, rápidas e baratas) já foram entregues, mudando radicalmente a vida dos que delas se beneficiaram, outras estão por ser concluídas, mas a auto-estima, o sentido de pertencimento, a consciência e o orgulho pela participação no processo, isso já foi alcançado!
O equívoco central da avaliação do professor Sarda está na frase “o homem do campo está em desalento, o jovem em devaneio com a esperança de migrar para outro Estado”.
Errado! A evolução do emprego revela que 2/3 dos novos postos de trabalho surgiram no interior. A evolução do eleitorado revela que as cidades que estavam perdendo gente para o litoral voltaram a se recuperar. Se o professor Sardá rodasse mais pelos nossos interiores conheceria, por exemplo, a família do agricultor Amadeu Artismo, de São Joaquim, cujos três filhos retornaram do litoral para o campo e, hoje, estão empolgados com a atividade agrícola. Ou o caso do agricultor João Alves do Prado, cuja esposa, diabética, diariamente tinha de andar alguns quilômetros para tomar a sua injeção de insulina, acondicionada na geladeira mais próxima antes de receber luz em sua propriedade. Tudo isso é fruto dos acessos asfaltados aos municípios, da amplitude do Programa Luz no Campo (no qual o Estado entra com 87% dos recursos), da descentralização da Saúde, do Microbacias, enfim, dos investimentos por toda Santa Catarina. E, com certeza, da participação comunitária nos Conselhos de Desenvolvimento.
A revolução da descentralização começa por mudar radicalmente a cultura política, os fluxos e influxos de poder. E isso já é uma realidade. O estado – tanto o geográfico quanto o institucional –é, hoje, uma ebulição de regiões alforriadas que pensam e decidem por si.
Quem só conhece o estado a partir de Florianópolis, fica com a impressão equivocada de que tudo não passa de marketing. Só quem se embrenha pelos interiores conhece a realidade.
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OBJETO DA RÉPLICA
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Descentralizar não é só fazer obras
A argumentação política do governador Luiz Henrique em defesa da descentralização administrativa está correta, até porque os modelos de gestão pública praticados ao longo dos últimos 60 anos - excetos os de Hercílio Luz, Celso Ramos e Colombo Salles - foram responsáveis pela desintegração que impede Santa Catarina de ter uma identidade cultural. Somos um Estado pequeno - 1% do território brasileiro - e, no entanto, identificados apenas por eventos e pela beleza natural. Alemães, italianos, açorianos e polacos estão espalhados por todo o País, motivo pelo qual não podem ser a nossa diferença. Poderiam, sim, somar a uma diferença que não existe. Somos um arquipélago de etnias.
Mas o plano de descentralização é diferente da argumentação política e, por isso, equivocado. O que prevaleceu nos últimos quatro anos foi uma quantidade de projetos regionais colocados na peneira financeira do governo. Faltou um plano de mudanças profundas e viáveis para revolucionar o processo de produção econômica e as bases da educação, da saúde e da cultura.
As campanhas publicitárias que exibem nossas belezas naturais e que tentam nos induzir a um narcisismo coletivo são bem produzidas, mas insuficientes diante de uma realidade em que não há perspectivas de mudanças. O homem do campo está em desalento, o jovem em devaneio com a esperança de migrar para outro Estado, enfim, somos uma roda-vida na ansiedade de quebrar as rotinas. E o governo só realimentou essas rotinas com obras e mais obras. Falta uma revolução para produzir diferenças que façam o povo sentir-se catarina, feliz, otimista e perseverante. Chega de marketing! Adianta uma organização social exibir beleza se seus integrantes não sentem com firmeza e orgulho a sua identidade?
A construção de estradas, escolas e centros de saúde deveria decorrer de exigências naturais de um planejamento estratégico. O governo não pode ser só um executor de obras. Cabe-lhe responder pela organização e futuro do Estado. É imprescindível, por exemplo, a revitalização da economia, readequando-a às exigências do terceiro milênio. O modelo industrial está falido e as marcas fortes, com algumas exceções, já não pertencem mais a catarinenses. Tampouco adianta falar em era do conhecimento se as escolas têm desempenho equivalente ao dos anos 70. O governo não pode abrir mão de uma revolução educacional integrada.
Luiz Henrique precisa decidir se continua com a descentralização político-partidária e ser mais um na galeria dos governadores ou se enriquece a sua carreira política como o autor de uma revolução para mostrar que a gestão pública só carece de inovação e determinação.
Laudelino José Sardá,jornalista e professor/sarda@unisul.br

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