21 fevereiro 2007

OS JOÕES DO BRASIL


RÉPLICA
Em recente artigo publicado neste espaço, intitulado “Caos”, o juiz de direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, João Marcos Buch, assim como tem feito a esmagadora maioria dos seus pares profissionais, tenta desqualificar qualquer opinião que não seja douta, criticando aqueles que considera, pejorativamente, “arautos do conhecimento” e “senhores da verdade”, que, “no calor das emoções”, aparecem com suas “palavras de impacto e soluções definitivas, verdades finais e fórmulas milagrosas” que em nada contribuiriam para a solução do problema.

Como não poderia deixar de ser, ele está se referindo à repercussão causada pelo absurdo, escabroso, monstruoso, inimaginável, inaceitável caso do menino João Hélio. Assim como milhões de outros brasileiros indignados, Buch também tem a sua opinião, só que a dele exclui a nossa, a dos néscios e ineptos, que não fazem parte do pequeno círculo dos doutores.
Com todo respeito, data vênia, como costumam dizer os sapientes nas artes jurídicas, trata-se de atitude claramente corporativa, de defesa de espaço exclusivo de análise e opinião sobre tema que diz respeito a todos e a cada um de nós, brasileiros.
Ele, assim como seus pares, tenta nos excluir do debate com argumentos como esse: “A violência é um fenômeno histórico e complexo, que, diante do caos vivido, precisa com urgência ser combatida, com medidas concretas, mas fundadas em sóbrio e racional debate. Cumpre aos operadores do direito a consciência disso e a descoberta de caminhos que coloquem um pouco de racionalidade nessa irracionalidade da segurança pública, disseminada no senso comum” (...) “Ora, o fenômeno da violência, queiram ou não, é muitíssimo mais complexo e vem sendo estudado há séculos. Muito surpreende então ouvir formadores de opinião defendendo mais punição aos ´cidadãos do mal´ e redução da maioridade penal”.
Confesso que não entendi a razão das aspas para os “cidadãos do mal”. Será que os algozes do pequenino João Hélio as merecem? Seriam eles “do Bem”?
Quanto à nossa ignorância em relação ao tema, que, ingenuamente nos levaria a sugerir “fórmulas milagrosas”, confesso que também não a aceito assim pacificamente. Afinal, nós, os parvos e beócios, estamos em excelente companhia e, comparativamente, somos até muito cordatos, sensatos e, com o perdão da palavra, judiciosos. Vejamos como alguns países, que nada têm de bárbaros, desumanos ou atrasados, legislaram sobre o tema maioridade penal:
Luxemburgo = sem idade mínima
Austrália e Irlanda = 7 anos
Nova Zelândia e Grã-Bretanha = 10 anos
Canadá, Espanha, Israel, Holanda = 12 anos
Alemanha, Japão = 14 anos
Finlândia, Suécia, Dinamarca = 15 anos
Bélgica, Chile, Portugal = 16 anos.
Aos ideologicamente aferrados à esquerda, vale lembrar que em Cuba a idade mínima é de 16 anos.
Portanto, chamar de simplista a sugestão de redução da maioridade penal é, no mínimo, um equívoco, pois ignora o que ocorre no resto do mundo civilizado.
Para aqueles que, como o juiz de Joinville, a ministra Ellen Gracie e dezenas de outros doutores, criticam o açodamento emocional, gerador de uma “legislação do pânico”, e aconselham deixar passar esse momento de ebulição, quem deu a resposta perfeita foi o deputado Fernando Gabeira: "Há casos que comovem o país de vem em quando. Mas agora o país está comovido permanentemente. Há pessoas que dizem: não vamos votar agora porque estamos sob emoção. Eles supõem que vai haver uma normalidade, mas nunca mais vai haver essa normalidade no Brasil se nós não intervimos. Pura e simplesmente não há momento mais sem emoção. A cada semana, praticamente, se sucede um crime trágico no Brasil".
À opinião do juiz Buch: “a redução da maioridade penal e o agravamento das penas num Estado em que tudo falta ao cidadão, menos quando é para puni-lo, é eticamente inaceitável”, prefiro a do psicanalista Contardo Calligaris: “Em geral, para evitarmos admitir que a prisão serve para punir e proteger a sociedade (e não para educar), muda-se o foco da atenção: ´Esqueça a prisão, pense nas causas´. Preferimos, em suma, a má consciência pela desigualdade social à má consciência por punir e segregar os criminosos. Ora, a miséria pode ser a causa de crimes leves contra o patrimônio, mas o psicopata, que estupra e mata para roubar, não é fruto da dureza de sua vida”.
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OBJETO DA RÉPLICA
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Caos
Aos trancos e barrancos a vida ou a sobrevida do povo brasileiro segue. Olhamos com espanto e preocupação para a guerra civil instalada no Iraque, para o caos palestino, para as epidemias que flagelam o continente africano. A miséria brasileira, esta não nos atinge. Afinal, como o tique-taque do relógio no criado mudo, aquilo que é permanente acaba passando despercebido, pois supostamente normal.É lógico então que um ato bárbaro e violento como foi a morte do menino João Hélio na “Cidade Maravilhosa” acaba nos sacudindo e nos golpeando fundo. E a velha questão da segurança pública volta à cena. No calor das emoções não faltam os arautos do conhecimento, senhores da verdade, com palavras de impacto e soluções definitivas, de segurança, lei e ordem. E os congressistas, movidos pelos sentimentos paranóicos coletivos de vingança, acabam por encampar estas “idéias”. Como Pilatos, aprovam uma lei inconstitucional e lavam as mãos, dando o assunto por encerrado.Ora, o fenômeno da violência, queiram ou não, é muitíssimo mais complexo e vem sendo estudado há séculos. Muito surpreende então ouvir formadores de opinião defendendo mais punição aos “cidadãos do mal” e redução da maioridade penal. A violência, esquecem-se esses senhores, não se resume a crimes de roubo, seqüestro, latrocínio. Igual violência, mas em maior escala, é, por exemplo, aquela que mata ou lesiona milhares de pessoas em acidentes do trabalho, é aquela que mata ou lesiona milhares de pessoas no trânsito, é aquela que mata ou lesiona milhares de pessoas nas filas de atendimento hospitalar, é a violência da fome, da falta de moradia, da falta de terras, da falta de educação, é a violência do desespero.É claro que a violência urbana, decorrente de crimes graves contra a integridade física, precisa ser discutida e trabalhada, tanto quanto as demais violências mencionadas acima. Mas o que se quer dizer é que idéias simplistas de redução da maioridade penal e agravamento de penas nunca foram, não são e nunca serão fatores de contenção e prevenção da criminalidade.A redução da imputabilidade penal para os 16 anos e o agravamento das penas além disso não podem ser aceitos, em absoluto, por dois motivos, um político e outro moral. Existem milhares de mandados de prisão expedidos pela Justiça não cumpridos porque não há espaço nos cárceres, superlotados, com quase o triplo de sua capacidade. O rigorismo penal, iniciado pela casual lei dos crimes hediondos no início dos anos 90 e sucedido por leis de emergência, não trouxe nenhuma melhora na segurança pública, pelo contrário, como efeito colateral superlotou o cárcere. Assim, por uma questão de política de Estado, é preciso, para efetivar a legislação de pânico já existente, que no mínimo se construam penitenciárias, capazes de agir para trazer os presos ao convívio social, que cumpram normas mínimas de respeito à integridade dos detentos, com vagas para o trabalho e estímulo ao estudo. E mais, que essas penitenciárias tenham agentes carcerários tecnicamente preparados e equipados, com remuneração digna, fiscalização e controlados no combate à corrupção.Por outro lado, a olhos nus, constatamos, especialmente nos grandes centros urbanos, que são milhares as crianças presentes em semáforos, esquinas e viadutos, abandonadas à própria sorte, no impiedoso flagelo da miséria e anonimato. Por uma questão moral, o Estado não pode simplesmente aguardar que essas criança cheguem à adolescência para então, sim, se fazer presente com seu braço punitivo e impiedoso. O direito e o Estado primeiro precisam utilizar todos os seus instrumentos, administrativos, culturais, econômicos, sociais, educativos, desde antes, desde a formação da família e na primeira infância. A redução da maioridade penal e o agravamento das penas num Estado em que tudo falta ao cidadão, menos quando é para puni-lo, é eticamente inaceitável. Cumpre aos operadores do direito a consciência disso e a descoberta de caminhos que coloquem um pouco de racionalidade nessa irracionalidade da segurança pública, disseminada no senso comum.Muitas são as dúvidas e muitas são as respostas apresentadas. Uma coisa, entretanto, é certa: não são com verdades finais e fórmulas milagrosas que a solução virá, muito menos pela criação de uma nova lei. A violência é um fenômeno histórico e complexo, que, diante do caos vivido, precisa com urgência ser combatida, com medidas concretas, mas fundadas em sóbrio e racional debate. O tempo urge, e o futuro não se furtará em nos responsabilizar. Já nos cobramos pela trágica e pungente violência que o menino João Hélio sofreu. Já tive a idade dele, ele não terá a minha. Não pode ser assim. Não é certo.
João Marcos Buch, juiz de direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville

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