02 novembro 2011

ESTE ARTIGO DO HISTORIADOR MARCO ANTÔNIO VILLA DIZ QUASE TUDO O QUE ANDO SENTINDO EM RELAÇÃO AO BRASIL DE HOJE.

REPÚBLICA DESTROÇADA
Estadão 31/10/2011

Em 1899 um velho militante, desiludido com os rumos do regime, escreveu que a República não tinha sido proclamada naquele mesmo ano, mas somente anunciada. Dez anos depois continuava aguardando a materialização do seu sonho. Era um otimista. Mais de cem anos depois, o que temos é uma República em frangalhos, destroçada.

Constituições, códigos, leis, decretos, um emaranhado legal caótico. Mas nada consegue regular o bom funcionamento da democracia brasileira. Ética, moralidade, competência, eficiência, compromisso público simplesmente desapareceram. Temos um amontoado de políticos vorazes, saqueadores do erário. A impunidade acabou transformando alguns deles em referências morais, por mais estranho que pareça. Um conhecido político, símbolo da corrupção, do roubo de dinheiro público, do desvio de milhões e milhões de reais, chegou a comemorar recentemente, com muita pompa, o seu aniversário cercado pelas mais altas autoridades da República.

Vivemos uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação.

São anos marcados pela hipocrisia. Não há mais ideologia. Longe disso. A disputa política é pelo poder, que tudo pode e no qual nada é proibido. Pois os poderosos exercem o controle do Estado – controle no sentido mais amplo e autocrático possível. Feio não é violar a lei, mas perder uma eleição, estar distante do governo.

O Brasil de hoje é uma sociedade invertebrada. Amorfa, passiva, sem capacidade de reação, por mínima que seja. Não há mais distinção. O panorama político foi ficando cinzento, dificultando identificar as diferenças. Partidos, ações administrativas, programas partidários são meras fantasias, sem significados e facilmente substituíveis. O prazo de validade de uma aliança política, de um projeto de governo, é sempre muito curto. O aliado de hoje é facilmente transformado no adversário de amanhã, tudo porque o que os unia era meramente o espólio do poder.

Neste universo sombrio, somente os áulicos – e são tantos – é que podem estar satisfeitos. São os modernos bobos da corte. Devem sempre alegrar e divertir os poderosos, ser servis, educados e gentis. E não é de bom tom dizer que o rei está nu. Sobrevivem sempre elogiando e encontrando qualidades onde só há o vazio.

Mas a realidade acaba se impondo. Nenhum dos três Poderes consegue funcionar com um mínimo de eficiência. E republicanismo. Todos estão marcados pelo filhotismo, pela corrupção e incompetência. E nas três esferas: municipal, estadual e federal. O País conseguiu desmoralizar até novidades como as formas alternativas de trabalho social, as organizações não governamentais (ONGs). E mais: os Tribunais de Contas, que deveriam vigiar a aplicação do dinheiro público, são instrumentos de corrupção. E não faltam exemplos nos Estados, até mesmo nos mais importantes. A lista dos desmazelos é enorme e faltariam linhas e mais linhas para descrevê-los.

A política nacional tem a seriedade das chanchadas da Atlântida. Com a diferença de que ninguém tem o talento de um Oscarito ou de um Grande Otelo. Os nossos políticos, em sua maioria, são canastrões, representam mal, muito mal, o papel de estadistas. Seriam, no máximo, meros figurantes em Nem Sansão nem Dalila. Grande parte deles não tem ideias próprias. Porém se acham em alta conta.

Um deles anunciou, com muita antecedência, que faria um importante pronunciamento no Senado. Seria o seu primeiro discurso. Pelo apresentado, é bom que seja o último. Deu a entender que era uma espécie de Winston Churchill das montanhas. Não era, nunca foi. Estava mais para ator de comédia pastelão. Agora prometeu ficar em silêncio. Fez bem, é mais prudente. Como diziam os antigos, quem não tem nada a dizer deve ficar calado.

Resta rir. Quem acompanha pela televisão as sessões do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e as entrevistas dos membros do Poder Executivo sabe o que estou dizendo. O quadro é desolador. Alguns mal sabem falar. É difícil – muito difícil mesmo, sem exagero – entender do que estão tratando. Em certos momentos parecem fazer parte de alguma sociedade secreta, pois nós – pobres cidadãos – temos dificuldade de compreender algumas decisões. Mas não se esquecem do ritualismo. Se não há seriedade no trato dos assuntos públicos, eles tentam manter as aparências, mesmo que nada republicanas. O STF tem funcionários somente para colocar as capas nos ministros (são chamados de “capinhas”) e outros para puxar a cadeira, nas sessões públicas, quando alguma excelência tem de se sentar para trabalhar.

Vivemos numa República bufa. A constatação não é feita com satisfação, muito pelo contrário. Basta ler o Estadão todo santo dia. As notícias são desesperadoras. A falta de compostura virou grife. Com o perdão da expressão, mas parece que quanto mais canalha, melhor. Os corruptos já não ficam envergonhados. Buscam até justificativa histórica para privilégios. O leitor deve se lembrar do símbolo maior da oligarquia nacional – e que exerce o domínio absoluto do seu Estado, uma verdadeira capitania familiar – proclamando aos quatro ventos seu “direito” de se deslocar em veículos aéreos mesmo em atividade privada.

Certa vez, Gregório de Matos Guerra iniciou um poema com o conhecido “Triste Bahia”. Bem, como ninguém lê mais o Boca do Inferno, posso escrever (como se fosse meu): triste Brasil. Pouco depois, o grande poeta baiano continuou: “Pobre te vejo a ti”. É a melhor síntese do nosso país.
Quando vi a reação burra, como sempre, da esquerdalha contra o naturalíssimo "Que deselegante!" da jornalista e apresentadora Sandra Annemberg, lembrei de um belo texto do Daniel Piza:

“Costuma-se menosprezar a elegância como um atributo de superfície, como se fosse apenas uma forma de disfarçar ou dourar o que se tem a dizer. Não é nada disso. Elegância é manter a sobriedade sem cair na frieza, é aceitar a complexidade da realidade mas não se conformar com a pequenez, é ser claro para resistir tanto aos eufemismos como às hipérboles. É a arte de dizer muito em pouco, de adensar sem adornar, de simplificar para não banalizar. É ser incisivo sem ser inconseqüente”.

31 outubro 2011

TEXTO LIDO NO CASAMENTO DA MINHA FILHA


Certa manhã, quando Krishhnamurti ia começar a falar aos seus discípulos, um passarinho pousou ao seu lado e começou a cantar, com toda a alma.







Depois se calou e foi-se embora, a voar. Diante disso, o sábio indiano simplesmente disse: “Está terminado o sermão de hoje”.






Como há muito tempo está claríssimo que vocês dois foram feitos um para o outro, cheguei a pensar em fazer como Krishhnamurti e encerrar esse discurso antes mesmo de começar.

Desisti da ideia porque conheço bem a minha filhota e sei que ela não me perdoaria por esse sub-misticismo de araque...

Portanto, aqui vai a minha bula infalível para que vocês não atrapalhem o que o destino lhes reservou.

SORRIAM! Sorriam muito, sorriam sempre! Um sorriso é a distância mais curta entre duas pessoas.

E acreditem: o mundo é um espelho - se sorrirem para ele, ele sorrirá para vocês.

O sinal mais evidente da sabedoria é um constante bom humor.

O riso é o som mais civilizado do universo.


Além do mais, a felicidade é um bem que se multiplica ao ser dividido.

Nunca se levem demasiadamente a sério. Isso é cômico.

Sejam sempre gentis. Nunca é cedo para uma gentileza, porque nunca se sabe quando poderá ser tarde demais.


Evitem zangar-se. Para cada minuto que nos zangamos, perdemos 60 segundos de felicidade.

Não acreditem que o ciúme é sinal de amor. Na verdade, ele tem as suas raízes no egoísmo, na vaidade e no amor próprio.





CUIDADO COM AS PALAVRAS: elas têm a leveza do vento e a força da tempestade.

Nunca se esqueçam de que as palavras pertencem metade a quem fala e metade a quem ouve.

Portanto, cuidado com as palavras... Não permitam que a língua ultrapasse o pensamento, pois não existe o esquecimento total: as pegadas impressas na alma são indestrutíveis.


Saibam pesar e sopesar cada instante. O bom senso é também o senso do momento. Há momentos em que silenciar é mentir, assim como há momentos em que falar é estupidez.


E muito, muuuito cuidado com a ironia. Ela pode ser perigosa, pois nem sempre a compreendemos.







Dizem que Deus está nos detalhes, portanto, CUIDADO COM OS DETALHES.


Quando consideramos as conseqüências das pequenas coisas – uma palavra amarga, um olhar de desdém, um esquecimento fortuito – chegamos à conclusão de que não existem detalhes.




Não sofram por causa de plantões e serões. Para se estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro. O amor tem os braços suficientemente longos para que possamos nos abraçar através do espaço.


Mas não se deixem escravizar pelo trabalho. Além da nobre arte de conseguir fazer as coisas, existe a nobre arte de deixar as coisas por fazer. A sabedoria da vida consiste na eliminação de tudo que não é essencial.



Por isso, aprendam a esquecer... A vida seria impossível se retivéssemos tudo na memória: o importante é escolher o que devemos esquecer. E esquecer!

Mas nunca se esqueçam: o amor é como um jardim japonês. Aparenta grande simplicidade, escondendo enorme complexidade. Saibam cultivar cuidadosamente o seu amor, pois as pessoas entram em nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem.




Não esperem que nada lhes caia no colo. Acreditem: a vida lhes dará poucos presentes. Se vocês querem uma vida plena, deem-se as mãos e construam-na, juntos!!!

Ocupem-se permanentemente, pois a felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.





A vida, quanto mais vazia, mais pesa.



Quando necessário, repreendam em particular; sempre que possível, elogiem em público.


VIAJEM, viajem muito! Mas não dependam de novas paisagens para se maravilharem, pois o verdadeiro deslumbramento não depende de novas paisagens, mas de novos olhos.


E quando viajarem, preocupem-se menos em filmar e fotografar e mais em fruir os momentos, pois a verdadeira viagem se faz na memória.

Não temam a velhice! A maturidade nos permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranqüilidade, querer com mais doçura.


Afinal, viver é como subir uma montanha. Mesmo que no fim não se esteja tão forte fisicamente, a paisagem é bem melhor.






Por isso, não se assustem com as primeiras rugas ou com os primeiros cabelos brancos: os vinte anos são mais belos aos quarenta que aos vinte. E assim por diante... Todas as idades dão seus frutos. É preciso apenas saber colhê-los.



Importante MESMO, é que no fim vocês tenham mais rugas na testa que no coração.

BEIJEM, beijem muito, pois a melhor confissão de amor não vale um beijo.


Não se imaginem muito sabidos, pois o que ignoramos é e será sempre muito maior do que tudo quanto sabemos. Quando acharem que estão ficando sábios, desconfiem, pois quando a gente pensa que tem todas as respostas, vem a vida e muda todas as perguntas.

Sejam sempre exigentes, isso é bom. Mas não esqueçam: os medíocres são exigentes com os outros; os grandes são exigentes consigo mesmos.





Quando surgirem problemas, e eles surgirão, eu garanto, lembrem-se que aquilo que a lagarta sente como fim do mundo, para nós é uma linda borboleta.






E lembrem-se: nada é tão sombrio. Uma sombra escura só existe se uma luz muito poderosa estiver brilhando atrás dela.


Nestas horas, pensem que o mais importante não é a situação em que estamos, mas a direção para a qual nos movemos.

E quando errarem, admitam e desculpem-se rápido, pois os erros mais curtos são os melhores.


Assim, ao fim e ao cabo, as recordações não serão feitas de remorsos.


TENHAM FILHOS! Vocês não imaginam como isso vai iluminar as suas vidas. Cada criança, ao nascer, é uma mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança nos homens.


Ousem, não tenham medo de errar. Se fecharem a porta a todos os erros, a verdade ficará do lado de fora.




Prometam que vocês ouvirão um ao outro, durante toda a vida, como se fosse a primeira vez. Não faz mal que isso nunca venha a acontecer, e não acontecerá, eu garanto, mas o mais importante é que essa intenção nunca deixe de existir.






CUIDEM DA SAÚDE! Mas não deem muita bola para o que dizem os especialistas das revistas. Não há nada melhor para a saúde que um amor correspondido.


Não se deixem levar pelas aparências. Só se vê com o coração. O essencial é invisível aos olhos.

Procurem sempre o conteúdo interior. Afinal, o que toca o barco para frente não é a vela estufada, mas o vento que não se vê.


E quando lhes disserem que tudo é relativo, que o moderno é melhor do que o velho, não levem ao pé da letra, pois há, sim, valores que são eternos. Cultivem-nos e transmitam-nos aos seus filhos.

Acreditem: dar o exemplo não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.

Também não dêem muito crédito àqueles que bendizem as novidades e maldizem o hábito. Na rotina é que se encontram os maiores prazeres.


Quando suas opiniões não baterem, não dêem muita importância. Mais importante que a comunhão das opiniões é a comunhão dos espíritos.

Há quem diga que o amor consiste em olhar juntos para a mesma direção... Pode até ser, mas cuidado, MUITO CUIDADO, com a individualidade um do outro.

E aqui, peço licença aos meus afilhados Mi & Pat para reproduzir parte do texto que li no casamento deles.


Nada é mais importante num casamento do que o RESPEITO.

Nada parecido com obediência, medo ou submissão. Essa é a deformação do Respeito, é o temor reverencial, em que um dos pólos se subjuga, anula-se frente ao seu oposto.

Nada a ver, também, com a admiração basbaque, aquela que o Padre Antônio Vieira dizia ser “... filha da ignorância, fruto das coisas que se ignora”.

Portanto, o Respeito tem tudo a ver com a consideração, com a estima, com o afeto que passamos a ter por algo ou alguém após exame detido, análise refletida, ponderação decantada pelo tempo, ou seja, por algo ou alguém que se conhece, que não se ignora.


Admiramos com o coração, mas respeitamos com a razão, e ambos, admiração e respeito, devem ser cultivados, cuidados, regados.

Respeitar, então, seria admirar aquilo que conhecemos, valorizando atos e ações, aceitando erros e defeitos, compreendendo falhas e deslizes, pois tudo isso faria parte daquele conjunto que passamos a admirar, considerar, estimar.


Respeitar é também não forçar a alma do outro sem o seu consentimento. Nem para mudá-la a fórceps, nem para mantê-la congelada in vitro. Respeitar é deixar livre o caminho para o crescimento pessoal, sem que o despeito se rebele contra a ascensão do outro.



Respeitar é sentir prazer com o êxito do outro, regozijar-se com a realização do outro.

Respeitar é preservar a intimidade e zelar pela imagem do parceiro.


Respeitar é dar atenção, preservando a individualidade. É dar carinho, preservando a independência. É dar amor, preservando o espaço.


Respeitar é admirar mesmo as imperfeições do outro, é compreender e aceitar até mesmo o que há de precário no outro.



Mas chega de sermão...




DOEM-SE! ENTREGUEM-SE! AMEM-SE! E façam tudo isso intensamente, pois o verdadeiro amor nunca se desgasta.

Quanto mais se dá mais se tem.




Mas doem-se sem esperar nada em troca, de preferência sem que o outro nem mesmo perceba, pois um benefício jogado na cara é sempre uma ofensa.


SONHEM! Sonhem muito!!! Pois se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos é sonhar mais.  

E quando acordarem, não chorem porque já terminou, sorriam porque aconteceu.




Sigam esta bula e daqui a 50 anos vocês poderão dizer um ao outro o que eu penso todos os dias sobre a minha parceira: “Te amo por quem tu és, mas ainda mais por quem sou quando estou contigo”.

28 outubro 2011

PARA AQUELES QUE INSISTEM EM DEMONIZAR A VEJA COMO MÍDIA GOLPISTA ANTI-PT, SEGUEM AS CAPAS QUE DERRUBARAM COLLOR, O HOJE AMIGÃO DE LULA, ASSIM COMO SARNEY, RENAN, JADER, JUCÁ ET CATERVA...

02 outubro 2011

Os sentimentais

JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE S. PAULO - ILUSTRADA
27 DE SETEMBRO DE 2011

Grande mistério: por que motivo os livros de Theodore Dalrymple não foram ainda publicados no Brasil? Fato: Dalrymple não é leitura fácil para gostos politicamente corretos. Mas qualquer obra do dr. Dalrymple merece o tempo e o dinheiro. Dalrymple não engana.
Aliás, o seu mais recente livro é uma anatomia dos enganos. Dos sentimentais enganos que começam na esfera privada e rapidamente transbordam, como um líquido viscoso e corrosivo, para a arena pública. Título: "Spoilt Rotten: The Toxic Cult of Sentimentality" (London: Gibson Square, 260 págs.) -algo como "podre e estragado: o culto tóxico do sentimentalismo".
Nem mais. Em finais do século 18, a Europa produziu uma nova sensibilidade "romântica", tendo Rousseau como patrono e o sentimento como deus. Se os homens nascem bons, como explicar a miséria e a infelicidade da espécie?
Não, obviamente, com a natureza imperfeita dela -a velha explicação das teologias tradicionais. Se imperfeição existe, ela se deve a uma sociedade política que aprisiona o "bom selvagem" e impede a expressão pura e purificante do seu "Eu".
Hoje, o "bom selvagem" anda solto. E, com ele, um "Eu" orgulhoso da sua própria ignorância -e orgulhoso porque crente na genuinidade da sua própria genuinidade.
Eis a essência do sentimentalismo: a expressão da emoção sem a presença do julgamento. Sentir basta -porque os sentimentos nunca enganam. Ou, como diria Rousseau, podemos errar, mas, se o erro for sincero, ele não foi propriamente um erro.
Na esfera privada, essa forma de "pensamento" (que é, na verdade, o recuo do pensamento) até pode proporcionar momentos divertidos.
Dalrymple conta um: o dia em que conheceu uma estudante de "Genocide Studies" (sim, isso existe) que dissertou apaixonadamente sobre o genocídio de Ruanda porque vira o filme "Hotel Ruanda". De fato: estudar para que quando basta uma "identificação" (sentimental) com as vítimas de um cataclismo qualquer?
Quando li essa passagem, ri alto. Mas ri com nostalgia. Conheço vários desses "especialistas" que falam sobre as desgraças do mundo porque viram um filme de Hollywood sobre o assunto. ("O aquecimento global existe, juro. Você não viu o filme de Al Gore?")
O sentimentalismo substitui a razão pela emoção. E, se isso diverte na esfera privada, se torna opressivo na arena pública.
Dalrymple analisa dois casos que ilustram o perigo.
O primeiro vem de Portugal, com o desaparecimento de uma criança inglesa no Algarve. Madeleine McCann era o nome, mas a mídia internacional (e sentimental) preferiu rebatizá-la como "Maddie".
Nada sabemos de definitivo sobre o caso: como desapareceu, quem a fez desaparecer, onde estará a criança -viva ou morta.
Mas a opinião pública, confrontada com dois pais que não choravam em público, rapidamente encontrou neles os culpados. A ausência de sentimentalismo não poderia ser explicada por noções clássicas de decoro ou resiliência. A ausência de sentimentalismo era uma revelação de monstruosidade moral.
E, se assim foi em Portugal, assim foi na Inglaterra, com a morte da princesa Diana. Um momento sentimental (e irracional) que levou milhares de ingleses aos portões do Palácio de Buckingham, empunhando cartazes contra a monarquia.
"Mostrem-nos que também sentem!", lia-se num deles, resumo perfeito da demência sentimental: nós queremos que os nossos governantes partilhem as nossas emoções públicas -e em público. Uma espécie de terapia coletiva a que Tony Blair deu o seu contributo, coroando Diana Spencer com o apropriado título de "Princesa do Povo".
O problema dessa terapia é que os líderes deixam de ser líderes e passam a obedecer aos caprichos sentimentais das massas.
Para citar apenas um caso entre mil, são esses caprichos, alimentados também por cantores pop subletrados, que explicam o grande desastre da ajuda humanitária à África. Não que os africanos pobres e famintos não precisem de ajuda.
Mas essa ajuda não pode acabar nas contas bancárias dos governantes africanos que são os primeiros responsáveis pela miséria do seu povo.
O culto do sentimento, escreve Dalrymple, não destrói apenas a capacidade de pensar. Destrói a simples ideia de que é preciso pensar.
Não conheço melhor receita para a barbárie.

13 setembro 2011

Pesquisando sobre o Bolsa Escola, descobri uma preciosidade.


DISCURSO DO SENADOR CRISTOVAM BUARQUE 5/10/2010

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT-DF) – Antes de passar a palavra ao Senador Heráclito Fortes, eu fico muito feliz com o seu aparte e quero dizer – pedindo licença ao Senador Heráclito Fortes para que S. Exª espere um pouquinho – que, quando alguém fica insistindo muito na paternidade de um filho é porque desconfia da fidelidade da esposa e eu não fico por aí, insistindo na paternidade do Bolsa Escola mas como o senhor levantou, eu quero lembrar que a idéia ficou bem clara, em 1987, no Centro de Estudos Multidisciplinares da UNB, - no Núcleo de Estudos do Brasil Contemporâneo – foi que essa idéia surgiu. Não importa se fui eu que a lancei. Ela surgiu ali. Depois, eu escrevi um texto que debati pelo Brasil inteiro, a partir de 1989 ou 1990 e que, depois, virou um livro que se chama A Revolução nas Prioridades, em que são 100 medidas para mudar o Brasil. A segunda eu, ainda, a chamava de Renda Mínima Vinculada à Educação. A primeira era Um Programa de Creches para o Brasil Inteiro e a terceira era Poupança Escola, ainda sem o nome de poupança. A terceira era o Poupança Escola, ainda sem o nome de poupança.

Em 94, quando fui candidato a governador, aí, num primeiro momento, um assessor me perguntou se a gente não podia apresentar esse projeto para o Distrito Federal. A minha primeira reação foi contrária, porque disse: se trouxermos um programa desses para um estado apenas todo mundo virá para cá. Mas aí eu pensei, e colocamos, sim, no nosso projeto, a exigência de cinco anos, pelo menos, de moradia aqui para receber o direito. A outra coisa que precisava, além da exigência de cinco anos, era criar um nome bonito, porque com o nome de Renda Mínima vinculado à educação ninguém consegue passar a ideia para a população. É bom para livro, é ruim para campanha eleitoral. E aí a gente queria não apenas criar o Programa, mas ganhar votos também, é claro. Foi aí que preparei a ideia e levei para os marqueteiros. Criei a idéia do Bolsa Escola por falta de outro nome. Não sei por que o nome foi esse, era uma Bolsa vinculada à escola. Eles aceitaram. Em 94, comecei a divulgar isso. O meu primeiro gesto de governo foi criar o Bolsa Escola. Logo depois, o Poupança Escola. E aí é que veio o grande erro. Essas duas coisas deviam ter um nome só, o Bolsa Escola deveria ser as duas coisas, a renda mensal com a exigência da frequência às aulas, e o depósito em caderneta de poupança contra a aprovação da criança. Devia ser uma coisa só. Criamos como duas separadas, mas elas funcionaram aqui. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, quatro anos depois – e quero dizer que lutei muito nesses quatro anos do Governo, eu aqui e o Presidente Fernando Henrique lá, para que ele criasse...

Lembro de, quando fui visitá-lo na transição, no escritório dele no Lago Sul, ter levado o meu livro de presente para ele, sugerindo: Presidente, por que o Senhor não cria esse Programa? Aliás, quero fazer aqui um registro. Fui do governo paralelo, criado pelo Presidente Lula em 90. Eu levei essa ideia para a reunião do governo paralelo, que foi recusada. O governo paralelo recusou essa ideia. Lembro bem que o Dr. Barelli, que era assessor econômico, disse que não fazia sentido. E o documento que depois publicamos, que é assinado pelo Presidente Lula...

O Sr. Heráclito Fortes (DEM – PI) – V. Exª pode repetir o nome do assessor?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Barelli, que foi do Dieese. Foi ele que disse que não fazia sentido. Foi eliminado. Tanto que no pequeno documento, assinado...

O Sr. Heráclito Fortes (DEM – PI) – Onde anda ele? V. Exª está aqui, no Senado da República.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDB – DF) – Não sei. O pequeno documento, assinado pelo então Luiz Inácio Lula da Silva, não presidente, e por mim, numa co-autoria, um documento com propostas para a educação, lançado em 90. Não entrou o Bolsa Escola. O Lula perdeu aí a chance da paternidade, porque não entrou, entraram outras medidas para a educação. E o PT não foi favorável ao Bolsa Escola aqui no Distrito Federal. Sofri muito para convencê-lo disso, especialmente ao Sindicato dos Professores. Isso era chamado de política compensatória, era o nome que se dava. Lembro que eu dizia: por que pagar uma criança para estudar é política compensatória, mas pagar em dólares para alguém já formado ir estudar na Europa não é política compensatória, é investimento? Esse era o debate. Mas diziam: mas é melhor colocar esse dinheiro para pagar melhor os professores. Aí mostrei que se aquele dinheiro fosse distribuído aos professores o aumento seria de 1,5%, não ia adiantar nada, mas era um salário mínimo inteiro o que a gente pagava aqui, o que não proponho para o Brasil todo.

Aqui sim, porque o número é menor, porque é possível, porque custa mais viver aqui do que em pequenas cidades do interior. Então, essa é a idéia, assim que surgiu. O Presidente Fernando Henrique no começo recusou. Eu tenho as cartas guardadas em que eu mandei para ele e para o meu amigo, Paulo Renato Souza, que esnobou a idéia no primeiro momento e insiste que começou em Campinas. Se fosse assim, o Governo Fernando Henrique Cardoso teria começado em 95, se fosse uma coisa lá de Campinas. Agora, Campinas começou a executar praticamente no mesmo momento em que nós aqui. Por quê? Porque o prefeito tinha sido eleito dois anos antes que eu, Grama.

O SR. HERÁCLITO FORTES (DEM – PI) – Grama.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT – DF) – Grama. Ele tinha sido eleito dois anos antes. Eu fui a Campinas ajudar a implantar. Fui lá, conversei com ele, debati com ele e ele implantou, na verdade, quase no mesmo momento mas dois anos depois, no terceiro ano do governo dele e não era exatamente o Bolsa Escola, estava mais perto do Bolsa Família. Primeiro, porque a gestão era na Secretaria de Assistência Social, não na Secretaria de Educação; segundo, porque a vinculação à educação não era suficientemente rígida. O Presidente Fernando Henrique Cardoso, então, demorou muito, mas no fim colocou. E, quando colocou – a isso é preciso fazer justiça – ele teve uma generosidade raríssima em um político, ele manteve o nome de um programa que vinha do governo de um partido a que ele fazia oposição. E nas reuniões de criação do programa dentro do Governo Fernando Henrique muitos sugeriram que mudasse o nome. E foi ele – eu soube depois – foi ele, o próprio Fernando Henrique que disse: “Não, esse nome está aí, vamos manter esse nome”. Essa é uma generosidade muito rara na política. O que mais a gente faz em política é mudar o nome daquilo que o governador, o presidente ou o prefeito de antes fez.
O Presidente Fernando Henrique Cardoso manteve o nome. Se não fosse isso, o nome Bolsa Escola tinha desaparecido, porque, vamos falar com franqueza, o nome Bolsa Escola só se espalhou porque virou um programa nacional.

10 setembro 2011

"9/11 - THE NAUDET BROTHERS DOCUMENTARY"


Quem ainda não assistiu ao documentário "9/11 - The Naudet Brothers Documentary" não deixe de ver, é terrivelmente fantástico. O filme traz imagens feitas antes, durante e depois da tragédia. Vale dizer que o filme tem 1 hora e 44 minutos.

SINOPSE

O material foi registrado por acaso pelos irmãos franceses Jules e Gedeon Naudet, que, ainda em julho, começaram a registrar a rotina de um típico bombeiro norte-americano, acompanhando o dia de treinamento de um novato “virando homem”. Depois de acompanhar durante vários meses a vida do jovem futuro bombeiro, Tony Benetatos, sem que nada de importante acontecesse, por ironia do destino na manhã de 11 de setembro de 2001 eles estavam no lugar certo e na hora certa, sendo os únicos a registrar o início da tragédia, quando o primeiro avião atingiu uma das torres.

O destino, além de colocar os dois documentaristas em meio à loucura, também os separou. Jules tinha ido fazer a cobertura de um singelo vazamento de gás nas ruas, enquanto Gedeon ficava no posto dos bombeiros captando imagens do novato Tony Benetatos. Por golpe desse mesmo destino, o jovem cinegrafista Jules Naudet, menos experiente com a câmera que seu irmão, Gedeon, conseguiu captar a única imagem do primeiro avião colidindo com o World Trade Center, registrando um evento que entraria para a história, daqueles que, em séculos, é possível presenciar uma única vez.

Por instinto ou mero acaso, ao ouvir um forte rugido no céu Jules virou sua câmera com o foco no avião no exato momento de registrar a única imagem existente da primeira aeronave colidindo com o World Trade Center.

Dentro de uma das torres ou fora delas, as imagens dos dois irmãos se buscam o tempo todo. Em seus melhores momentos, as imagens do documentário são caóticas e confusas como a própria vida. Ninguém, nem o aprendiz de cinegrafista nem os bombeiros veteranos, sabe muito bem o que está acontecendo ou o que fazer. O medo está no olhar de todos. Pelas imagens, não se entende nem se tenta explicar nada.

O que há de mais importante e dramático neste documentário não são as palavras nem as imagens. Não há como esquecer a horrível trilha sonora - um barulho ensurdecedor ao fundo que insistia em alertar que corpos caiam como uma chuva macabra. O som da morte. Mas o documentário não traz nenhuma imagem grotesca ou chocante. Em “9/11”, o medo e a correria não podem ser confundidos com a falta de profissionalismo. Os cineastas evitaram mostrar cenas fortes, como pessoas queimadas ou corpos caindo de cima do prédio. O som das quedas sobre o saguão é ainda mais assustador que qualquer imagem sensacionalista. As imagens são preenchidas pela nossa própria imaginação.

O feito mais impressionante de “9/11” é colocar o espectador dentro do WTC no momento em que a primeira torre desaba. Jules estava junto da equipe de bombeiros no saguão de um dos prédios. Vários homens já haviam subido para iniciar o resgate. De repente, o som ao fundo cresce. Desta vez não são mais os corpos que caem, mas o mundo inteiro que está desabando. A primeira torre começa a ruir, a poeira escurece tudo e a pequena luz da câmera do jovem Jules é que indica o único caminho para a fuga. Não se vê nada. A câmera de Gideon registra sua fuga desse inferno e testemunha, sempre "ligada", sua própria luta pela vida.

Na seqüência, começa a correria para encontrar uma saída – o que se vê é apenas poeira e mais poeira, a se perder de vista. Pelas ruas, Jules continua a captar imagens impressionantes.

Ao desligarem suas câmeras para o triste/alegre reencontro (não sabiam o paradeiro do outro), um terceiro cinegrafista registra o momento de lágrimas entre os franceses.


9/11 (The Naudet Brothers Documentary)