12 março 2015

A NEUROSE
Excerto do livro "O Jardim das Aflições", de Olavo de Carvalho.
Selecionei-o por acreditar que explica muito do que se passa na cabeça daqueles que ainda, e apesar de tudo, ainda continuam a apoiar o PT e suas trapaças.

A melhor definição de neurose que conheço é do meu falecido amigo Juan Alfredo César Müller, um gênio da psicologia clínica. Neurose, dizia ele, “é uma mentira esquecida na qual você ainda acredita”. Se mentir para si é esquecer a verdade, neurose é esquecer o esquecimento, apagar as pistas do embuste. Na neurose, a mentira transforma-se num sistema, num programa que se automultiplica, ocultando a mentira inicial sob montanhas de entulhos só para depois alguém ter de pagar a um psicanalista para removê-los. Mas ninguém ficaria neurótico se a opção neurótica não lhe parecesse vantajosa, ao menos no instante decisivo em que uma verdade intolerável se abre diante dele como um abismo. Mentir alivia porque economiza à psique o esforço de suportar um desequilíbrio temporário.

Frithjof Schuon
Isso quer dizer, em suma, que não há consciência moral, nem conhecimento objetivo, sem algum sofrimento psíquico voluntário, sem o sacrifício ao menos temporário da harmonia interior em vista de valores que transcendem os interesses imediatos do organismo psicofísico. “Ser objetivo, dizia Frithjof Schuon, é morrer um pouco”. Objetividade é sinceridade projetada no exterior, assim como sinceridade é introjeção dos limites objetivos. Sinceridade e objetividade, por sua vez, formam um nexo indissolúvel com a responsabilidade: as três condições que perfazem a autoconsciência moral.

Uma vez afrouxadas porém as demandas da autoconsciência, a imaginação torna-se a serva prestativa do interesse orgânico imediato, produzindo tantas ficções quantas forem necessárias para conservar o indivíduo num estado de profunda sonolência moral, no qual ele não tenha de responder pelos seus atos. O entorpecimento da consciência tem graus e etapas, que vão desde as “racionalizações” corriqueiras com que na vida diária nos furtamos ao apelo de pequenos deveres, até a completa inversão. O homem moralmente embotado já não consegue “sentir” a bondade ou maldade intrínseca de seus atos. Embora conheça perfeitamente as normas sociais que aprovam ou desaprovam certos comportamentos, ele não as vê senão como convenções mecânicas, e pode até continuar a obedecê-las exteriormente por mero hábito, mas sem pensar sequer em lhes aderir de coração; e continuará assim até que a conjunção da necessidade com a oportunidade o transforme de vez no criminoso que sempre foi.


Sua incapacidade para discernir o bem e o mal exceto como convenções vazias será usada como “prova” de que toda lei moral é um convenção vazia, e a deformidade da sua psique será erigida em padrão de medida moral para toda a humanidade. Mas um homem não vive muito tempo em estado de abstinência moral. Após ter solapado as bases de todo critério moral objetivo, ele continuará a ter ódios e afeições, repugnâncias e desejos, que, na esfera intelectual, farão brotar outros tantos correspondentes juízos morais elaborados racionalmente. Não podendo suportar indefinidamente a insegurança de admitir que esses juízos são meras preferências subjetivas, não melhores ou piores do que quaisquer outras, ele cairá na tentação de argumentar a favor deles, de lhes dar uma expressão e fundamento intelectual; e, ao fazê-lo, criará um novo critério de moralidade, que não consistirá em outra coisa senão na ampliação universalizante dos gostos perversos de um indivíduo. A linguagem abstrata da filosofia moral terá se tornado uma arma a serviço de fins egoístas, de um ego inflado que remoldará o mundo à sua imagem e semelhança.

17 fevereiro 2015

QUEM É RAUL CASTRO?

O artigo abaixo foi publicado no National Review Online em 10 de agosto de 2006. O autor, o general Ion Mihai Pacepa, é o oficial de mais alta patente a desertar do bloco soviético. No Natal de 1989, o ditador comunista romeno Ceausescu e a sua esposa receberam pena de morte num julgamento cuja maior parte das acusações provinham, quase literalmente, do livro Red Horizons, de Pacepa. Seu livro mais recente, Disinformation, foi escrito em coautoria com Ronald Rychlak.
Ion Mihai Pacepa
no exército romeno


com Ceausescu 

Um tirano que só pode ser amado pelo irmão.

Raul Castro
Quem é Raul Castro? O pensamento dos especialistas ocidentais de que ele pode levar Cuba a um governo de consenso e à democracia não passa de pensamento mágico. Eu certamente gostaria que eles estivessem certos, mas Raul Castro transformou um paraíso terrestre em ruínas, e há boas razões para crer que ele transformará Cuba numa ditadura pior do que já é.

Eu me encontrei com Raul Castro muitas vezes, em Cuba e na Romênia. Ele era responsável pela coordenação do serviço de inteligência cubano (a Dirección General de Inteligencia – DGI) e, no início dos anos 1970, entrou no negócio de drogas juntamente com o departamento onde eu trabalhava (Departamentul de Informatii Externe – DIE). Quando ele não estava em Havana ou Moscou, estava em Bucareste. Nós trabalhamos, conversamos, pescamos e mergulhamos juntos. Disputamos quem era melhor no tiro ao alvo; ele era um excelente atirador. Juntos, corremos em nossos idênticos carros Alfa Romeo. Não vi nada nele que indique que queira democratizar Cuba.

Sergio del Valle
Raul Castro estava sempre sob a influência do álcool e da autoidolatria. Meu contato na inteligência cubana na época, Sergio del Valle, que era o companheiro mais próximo de Raul Castro desde os primeiros tempos em Sierra Maestra, costumava chamar seu chefe de “Raul, O Terrível” em alusão ao primeiro russo autocoroado czar. Raul Castro era o czar não coroado de Cuba – o seu título oficial era “General Máximo”. Fidel discursava, hora após hora. Raul conduzia a economia de Cuba, a sua política externa, o comércio exterior, o sistema judiciário, as cadeias, o turismo – até mesmo os hotéis e as praias.




Raul preparando um fuzilamento
Raul Castro é geralmente conhecido como um apagado ministro de defesa, mas ele também tem sido o comandante brutal de uma das mais criminosas instituições comunistas: a polícia política cubana. Eu testemunhei a sua capacidade. Ele era cruel e implacável. Fidel pode ter concebido o terror responsável por manter Cuba presa no curral do comunismo, mas Raul tem sido o açougueiro. Ele tem colaborado na matança e no terror de milhares de cubanos, e não tenho dúvidas de que lutará com unhas e dentes para preservar o poder. Por outro lado, mais cedo ou mais tarde Raul Castro deverá pagar pelos seus crimes, e eu não creio que ele seja um suicida.

Antes de conhecer Raul Castro pessoalmente, tive uma primeira impressão dele por meio de Nikita Khrushchev e do general Aleksandr Sakharovsky, o criador da estrutura da inteligência comunista romena, e naquele tempo comandante do serviço de inteligência soviético para o exterior, o PGU (Pervoye Glavnoye Upravleniye). Isto foi em 1959. Ambos haviam chegado em Bucareste no dia 26 de outubro para o decretado “feriado de seis dias na Romênia”. Jamais Khrushchev havia tirado férias tão longas no exterior, mas sua visita à Romênia também não era descanso. Estava lá para discutir a revolução cubana em andamento com o líder romeno Gheorghe Gheorghiu-Dej, até então o único ditador comunista de um país de herança latina.
Nikita Khrushchev e Fidel

Khrushchev sonhava em entrar para a história como o líder soviético instaurador do comunismo no continente americano e estava disposto a qualquer coisa para concretizar o seu sonho. Mas Khrushchev não confiava em Fidel Castro porque via nele uma pessoa estranha ao marxismo. Para os líderes do Partido Comunista Cubano, Fidel era um aventureiro perigoso, e os burocratas do Partido Soviético também estavam relutantes em apoiá-lo.

Khrushchev, por sua vez, confiava em Raul Castro. De acordo com Sakharovsky, responsável por conduzir Raul Castro a Moscou em meados da década de 1950, foi amor à primeira vista. Nikita e Raul adoravam vodka, ambos eram fascinados pelo marxismo, odiavam escola, religião e disciplina. Ambos se consideravam especialistas militares. Ambos eram obcecados por espionagem e contraespionagem. E ambos gostavam de dormir de botas. Sakharovsky acreditava que o “terno relacionamento” entre os dois havia levado Khrushchev a se atirar de corpo e alma na revolução cubana.

Nikolay Leonov
Por ordem de Khrushchev, Sakharovsky deu a Raul Castro um conselheiro de inteligência: Nikolay Leonov, o melhor especialista do PGU em América Latina. Leonov (hoje um general da KGB aposentado e membro da Duma) forneceu a Raul Castro informações sobre as forças militares do então ditador cubano, Batista, e o ajudou a planejar a guerrilha. Em junho de 1957, Leonov deu a ele documentos e fotografias mostrando o fornecimento de armas e apoio logístico de Washington a Batista, e sugeriu fazer alguns americanos reféns para forçar Eisenhower a se retirar do conflito. Raul Castro seguiu o conselho. Em 26 de junho de 1958, seus guerrilheiros sequestraram quinze militares e civis americanos e canadenses que estavam a trabalho em Cuba. Temendo pela vida dos reféns, Batista decretou um cessar-fogo. A manobra permitiu aos soviéticos levar novas armas a Cuba.

O curso da revolução cubana mudou para sempre. E a era do sequestro político havia sido inaugurada.

Na noite do dia 31 de dezembro de 1958, Batista fugiu de Cuba, e os irmãos Castro tomaram conta do país. Durante o mês seguinte, Raul Castro organizou a execução de centenas de policiais e militares do regime de Batista. Os prisioneiros eram mortos a tiro e os corpos enterrados em túmulos coletivos nos arredores de Santiago de Cuba.
extrema-unção antes do fuzilamento


Paredón - La Cabaña

Mikoyan com Fidel
Um ano depois, o representante do premiê soviético Anastas Mikoyan foi a Havana. Ele foi recepcionado por Fidel, Raul e pelo novo conselheiro do KGB para o país, Aleksandr Shitov. A tarefa naquele momento era ajudar Raul Castro a criar um KGB cubano e um exército ao estilo soviético. Em 1962, Khrushchev tomou uma decisão sem precedentes ao nomear Shitov embaixador soviético em Cuba. Em segredo, Moscou logo começou a construir bases de mísseis em território cubano.

Khrushchev, Raul Castro e Shitov – não Fidel – empurraram o mundo para a iminência da guerra nuclear.

Em abril de 1971, eu visitei Cuba como membro de uma delegação do governo romeno para a celebração de dez anos pela vitória de Fidel Castro na Baía dos Porcos. Alguns dias depois da cerimônia, Raul Castro me convidou para ir pescar no mar em seu barco, junto com Sergio del Valle. O outro convidado era um civil soviético que se apresentou como Aleksandr Alekseyev. “Aquele é Shitov”, sussurrou del Valle. “Agora, ele é conselheiro de Allende.” (O marxista Salvador Allende havia sido eleito presidente do Chile no mês de novembro do ano anterior.) Lá, no barco, ficou claro para mim – mais claro do que nunca – que era Raul, não Fidel, quem empunhava as rédeas da diligência da revolução cubana.

Nicolae e Elena Ceauşescu
Em 1972 eu preparei uma visita oficial de Ceausescu a Havana, e, durante ela, também fui o seu braço direito. Fidel era o testa de ferro, Raul o ajudante-geral.

A primeira-dama cubana não era a esposa de Fidel, mas a de Raul. Elena Ceausescu empinou o nariz para ela, mas, no momento certo, as duas primeiras damas se entenderam esplendidamente. Tanto Elena quanto Vilma Espin Guilloys haviam abandonado os estudos, ambas fingiam ser químicas, ambas haviam obtido títulos de doutorado falsos, ambas eram do partido comunista antes dele ter chegado ao poder em seus países, ambas se tornaram membros do Conselho de Estado e ambas eram presidentes das organizações de Federação de Mulheres em seus países.

Durante a visita, os irmãos Castro e Ceausescu lançaram as bases para um negócio de drogas conjunto. Queriam afundar o mundo com drogas. “As drogas podem causar mais danos ao imperialismo do que armas nucleares”, pontificou Fidel. “As drogas erodirão o capitalismo por dentro”, concordou Raul. Jamais ouvi a palavra “dinheiro” ser pronunciada, mas eu já estava administrando o dinheiro que a Romênia estava fazendo com o seu próprio tráfico de drogas. Ia tudo para a conta bancária pessoal de Ceausescu. Em 1978, quando deixei a Romênia para sempre, aquela conta, chamada de AT-78, tinha um saldo de cerca de 400 milhões de dólares – a despeito dos desfalques substanciais feitos por Elena para comprar peles e joias.

Em 2005, Fidel ficou furioso quando a Forbes Magazine estimou a sua fortuna em 500 milhões de dólares. Neste ano, a revista atualizou o valor para 900 milhões. Em vista da penúria cubana, esta quantia é certamente mais do que o suficiente para Raul subornar os seus camaradas políticos e comprar todos os novos aliados de que precisar.

Em 1973 eu tirei “férias de trabalho” em Havana. Raul me levou para conhecer uma instalação gigantesca, dedicada ao fabrico de maletas com fundo falso e outros dispositivos para o transporte secreto de armas e explosivos para fins terroristas. Na época, o DGI de Raul Castro estava trabalhando em tempo integral para expandir a influência política de Cuba pela América do Sul e pelo Terceiro Mundo. Particularmente, lutavam para consolidar o poder dos sandinistas na Nicarágua, para fomentar uma guerra sangrenta em El Salvador e para ajudar a MPLA (Movimento pela Libertação de Angola), movimento financiado por Cuba e União Soviética, com o objetivo de aumentar o poder deles em Angola. O DGI de Raul Castro e as suas forças armadas também tinham conselheiros e instrutores nas bases da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e haviam estabelecido estreita colaboração com a Líbia, Iêmen do Sul e com a Frente Polisário para a Libertação do Saara Ocidental. Em meados dos anos 1970, o DIE – o meu departamento – operava juntamente com o DGI de Raul Castro para apoiar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma organização insurgente marxista antiamericana cuja missão era espalhar o comunismo pela América do Sul.

Em dezembro de 1974, Raul foi a Bucareste pedir apoio político e de inteligência para o seu novo DNL (National Liberation Directorate), grupo de inteligência do partido comunista, cujo objetivo era coordenar a guerrilha cubana e os campos de treinamento de terrorismo e fomentar o surgimento de movimentos de libertação nacionais e de governos antiamericanos como os da Nicarágua e Granada. Conseguiu ambos.

É claro que eu não tenho mais acesso a informações internas sobre a exportação do terrorismo e da revolução de Raul Castro, mas vi, em 2001, as suas FARC se responsabilizarem por 197 assassinatos na Colômbia. Em 11 de abril de 2002, as mesmas FARC sequestraram 13 legisladores colombianos de um edifício governamental em Cali e mantiveram a candidata a presidente Ingrid Betancourt em cativeiro. Em 13 de fevereiro de 2003, as FARC abateram um jato da CIA transportando equipamento eletrônico de inteligência no Sul da Colômbia, fazendo reféns três oficiais da CIA. Agora, as FARC de Raul Castro estão procurando derrubar o governo pró-americano do presidente colombiano Álvaro Uribe, cujo pai foi assassinado pelas FARC em 1983. Também percebi que o presidente comunista da Venezuela, Hugo Chávez, adorador dos irmãos Castro, ameaçou parar de exportar petróleo para os EUA e pretende iniciar uma guerra convencional contra a sua vizinha Colômbia, a maior aliada dos EUA na região.

Ninguém, em Cuba e fora dela, sabe exatamente qual o estado de saúde – física ou política – de Fidel. Por lá talvez esteja acontecendo algo que Raul Castro aprendeu com os seus mestres do KGB. Leonid Brezhnev morreu no dia 10 de novembro de 1982, mas o chefe do KGB, Yury Andropov, conseguiu manter a morte oculta da população durante alguns dias e assim ganhou tempo para manobrar e se instalar no assento do condutor. Uma vez empossado no Kremlin, o cínico Andropov apressou-se em exibir uma imagem para o Ocidente de comunista “moderado”, um homem sensível, cordial, voltado para o Ocidente, apreciador de um drinque de scotch de vez em quando, leitor de romances ingleses e ouvinte de jazz americano e da música de Beethoven. Ele não era nada disso.

Raul também pode tentar se apresentar como um afetuoso anjo de paz. Mas a era de segredo de Andropov já se foi. Rezo para que as pessoas que conhecem Raul Castro tão bem como eu conhecia Ceausescu, venham a público despir o ditador cubano, permitindo ao mundo vê-lo nu, como verdadeiramente é: um assassino e terrorista internacional que fez fortuna com a venda ilegal de armas, drogas e seres humanos.