30 novembro 2006

POBRE SAUSSURRE!
(enviado como comentário ao blog do Reinaldo Azevedo no dia 30/11/2006)

Caríssimo Reinaldo,
Parece que estamos começando a ficar competitivos na "guerra de valores" que você tanto propugna. E pode ficar gabola e convencido, pois, certamente, você tem muito a ver com isso.
Digo isso sob os eflúvios nauseabundos do texto de Bernardo Kucinski, que gorjeia como um xexéu lá no arraiá dos "minhocartas". O texto pretende desfazer a idéia defendida pelo autor, em artigo anterior, de que a Radiobrás deveria se contrapor à narrativa de má qualidade da grande imprensa criando uma narrativa própria, mais ao gosto da sua grei. No entanto, ele se enreda ainda mais na teia confusa de suas idéias, pois parece não ter a mesma competência que os "profissionais" petistas da mentira têm para encobrir suas reais intenções.

Ele inicia o texto revelando ter se recusado a dar entrevistas solicitadas por dois jornais. Para um deles, disse ter respondido "meio brincando e meio a sério, que só dava entrevistas para estudantes de jornalismo, porque os profissionais tinham se tornado maliciosos demais para o meu gosto; deixaram de ser confiáveis".

Interessante... Malícia pode significar muita coisa ruim e condenável, mas também abriga a derivação, por extensão de sentido, agudeza de espírito, astúcia, vivacidade, estas, sim, qualidades muito pouco apreciadas pelos adoradores do "working class hero" tupiniquim.


Mais interessante...Jornalista e professor da Universidade de São Paulo, ele acredita que jornalistas devem ser confiáveis!?!?! O que é isso, companheiro? Quer dizer que para você jornalista bom é aquele que repete seu discurso sem desvendar o que nele há de ilusionismo, de logro, de release? Não, professor, jornalista deve ser confiável para o leitor, não para seus entrevistados, a quem, sempre que possível, deve esforçar-se por deixar nuzinhos em pelo, para que nós, os leitores, possamos enxergá-lo sem a farda, sem o brilho das medalhas, sem o verniz ofuscante da fama.


Querem entender melhor quem é e o que pensa o professor Kucinski? Vejam só o que o Google me deu de bandeja: em entrevista para o USP Online, ele afirma: "é preciso que haja uma ética dominante a seguir, mas em um mundo onde reina a multiplicidade, não existe mais uma só ética". O entrevistador revela sua perplexidade com tal afirmação e questiona: "De que forma a ´multiplicidade´ ameaça a existência da ética?". Aí Bernardo abre a guarda de vez, deixando cair a máscara: "A verdade de um indivíduo não é a de outro, e isso ameaça o senso comum e a construção da ética. Defendo que haja para o jornalismo um código de ética. Precisamos ter um código de conduta".


Não é incrível?!?! Ele quer um mundo em que não haja multiplicidade, mas univocidade, nos meios de comunicação. Deve ser aquele tal "outro mundo possível", onde a verdade de um indivíduo será sempre a mesma que a de outro. E ele ainda tem a pachorra de chamar isso de "senso comum", sem se dar conta de que está se indispondo com todo o pretenso ideário libertário do socialismo, propondo um "Consenso de Kucinski", um universo paralelo onde imperaria a idéia única, a verdade única, o pensamento único fundamentalista dos talebãs petistas, não deixando espaço para qualquer tipo de reflexão ou questionamento.

Veja só, Reinaldo, como Kucinski revela estar sentindo os seus golpes certeiros contra a glossolália petista: "Quando nós dizemos que queremos democratizar a comunicação no Brasil, eles entendem que queremos controlar a comunicação no Brasil; quando dizemos que os jornalistas nos devem uma auto-reflexão sobre o comportamento da imprensa, eles entendem que estamos pedindo que parem de criticar o governo. Quando dizemos que a imprensa está distorcendo determinada história, eles distorcem o que nós dissemos. E assim vai. Tudo o que a esquerda e, em especial, os petistas dizem, é entendido como o seu contrário". BINGO!!!

Percebeu como "elas estão descontroladas!!!" com a descoberta dos seus estratagemas tão bem urdidos e, até há pouco, despercebidos, por que bem camuflados?

Ele chega a dizer que "não existe mais uma língua comum entre nós" ou "trata-se da perda da capacidade de se comunicar. É como se vivêssemos numa babel", ou, ainda, "não mais compartilhamos a mesma matriz lingüística: cada um codifica e decodifica a seu modo".

Pois é, depois de anos de empulhação e construção de uma "verdade" farsesca e ardilosa, agora que a parolice dos emires, dos minhocartas e das marxilenas começa a ser decifrada e desencantada, ele se revolta e clama por uma volta àqueles tempos felizes em que tudo o que provinha das suas mentes, carregado de simbolismos e apelo popular, merecia da mídia um selo de qualidade inquestionável, pois sempre souberam manejar muito bem, com astúcia e sagacidade, conceitos como ética, utopia, ideal, interesse público, inclusão e outros quetais.

Querendo evidenciar sua erudição, ele lança mão de Saussure (só faltou o Chomsky, com Y), para quem "as idéias são nebulosas se não são enunciadas através de uma língua". Mas não respeita ou desconhece as idéias do lingüista suíço quando conclui que "é o que parece estar acontecendo conosco. As palavras já não demarcam de modo unívoco, porque para uns significam uma coisa e para outros o seu contrário".

VigeSanta!, Saussure deve estar se revirando no túmulo. Sua teoria delimita claramente a separação entre langue (língua) e parole (discurso). Para ele, a língua é um sistema de valores que se opõe uns aos outros e que está depositado como produto social na mente de cada falante de uma comunidade, possui homogeneidade e por isto é o objeto da linguística propriamente dita.


Diferente do discurso, que é um ato individual e está sujeito a fatores externos, muitos desses não linguísticos e, portanto, não passíveis de análise. Ou seja, o professor, como todo bom ilusionista, faz malabarismos com a mão direita (quando fala da língua) enquanto esconde a verdade com a esquerda (quando omite estar tratando de discurso).

Como você diz sempre: nisso não há loucura, mas método.





_____________________________________________
No mesmo dia, não sei se sugestionado pelo meu comentário, o Reinaldo publicou este artigo arrasador contra o Kucinski. 

24 novembro 2006

HORRORISMO


Recentemente, o escritor inglês Martin Amis escreveu longo texto para o jornal The Observer, intitulado “A Era do Horrorismo”, aonde fez profunda, lúcida e desapaixonada análise do terrorismo islâmico, que, segundo ele, inaugura uma “Era da Normalidade Desaparecida”.
Conforme avançava na leitura do texto, envolvido que estava nas nossas questões políticas, partidárias e eleitorais, não pude deixar de encontrar inúmeras conexões e similitudes com a nossa realidade. A seguir, alternarei trechos selecionados do texto de Amis com paráfrases minhas pertinentes à nossa realidade local.

AMIS: “Até recentemente, dizia-se que havia uma ´guerra civil´ no interior do Islã. Bem, a guerra civil parece ter acabado. E o islamismo a venceu. O perdedor, o Islã moderado, está sempre ilusoriamente bem representado nas páginas de opinião dos jornais e no debate público; fora disso, ele é ocioso e inaudível. Não estamos ouvindo o Islã moderado, ao passo que o islamismo, como ator e modelador dos acontecimentos mundiais, é praticamente tudo que conta”.
Aqui também parecia estarmos vivendo uma “guerra civil”. Bem, ela acabou. E o lulismo a venceu. Os perdedores, PSDB e aliados, continuam bem representados nas páginas de opinião dos jornais; fora disso, parecem ociosos, inaudíveis e facilmente cooptáveis. Não estamos ouvindo as oposições, ao passo que o lulismo, como ator e modelador dos acontecimentos nacionais, é praticamente tudo que conta.

AMIS: “Respeitamos o Islã – produtor de benefícios incontáveis à humanidade, e possuidor de uma história eletrizante. Mas islamismo? Não, dificilmente poderiam nos pedir que respeitássemos uma onda religiosa que prega nossa própria eliminação. Claro que respeitamos o Islã. Mas não respeitamos o islamismo, assim como respeitamos Maomé e não respeitamos Muhammad Atta”.


Houve um tempo em que até respeitávamos o PT – possuidor de uma história eletrizante. Mas lulismo? Não, dificilmente poderiam nos pedir que respeitássemos uma onda autoritária que prega a eliminação da própria democracia. Respeitávamos Suplicy, Heloisa Helena, Cristovam Buarque, Paulo Delgado, mas já não podemos respeitar Lula, José Dirceu, Genoíno, Berzoini, Mercadante, Okamoto, Palloci, Gushiken.
AMIS: “O assassino em massa e suicida colocou para o Ocidente uma crise filosófica. A ingenuidade racionalista era mais fácil que a assimilação da alternativa: a existência de um culto patológico. E se nos dispusermos a ouvir a retórica de desilusão e auto-hipnose, poderíamos ouvi-la também de um laureado por Estocolmo – o romancista português José Saramago, que enfoca seu olhar sublime no fenômeno do assassínio em massa por agente suicida: ´Ah, sim, os horrendos massacres de civis causados pelos chamados terroristas suicidas... Horrendos, sim, sem dúvida; condenáveis, sim, sem dúvida, mas Israel ainda tem muito a aprender se não é capaz de compreender as razões que podem levar um ser humano a se transformar numa bomba´”.
A busca desenfreada pelo poder colocou para o PT uma crise filosófica. A militância preferiu a ingenuidade racionalista, mais fácil que a assimilação da alternativa: a existência de um culto patológico pelo poder. Se quisermos ouvir a retórica lulista de auto-hipnose, podemos escolher à vontade na elite petista cheia de pedigree – de Marilena Chauí a Paulo Betti, de Emir Sader a Tarso Genro – todos lançando seus olhares sublimes sobre o fenômeno do apodrecimento da política: ´Ah, sim, os horrendos mensalões, dossiês, quebras de sigilo, cartilhas superfaturadas ou inexistentes, produzidos pelos chamados aloprados petistas... Horrendos, sim, sem dúvida; condenáveis, sim, sem dúvida, mas os burgueses ainda têm muito a aprender se não são capazes de compreender as razões que podem levar um militante leal a se transformar num corrupto pela causa´.
AMIS: “É doloroso parar de acreditar na pureza e na sanidade mental, do injustiçado social. É doloroso começar a acreditar num culto da morte, e num inimigo que deseja que esta guerra dure para sempre”.
É doloroso, mas imperioso, parar de acreditar na pureza de quem, por frio cálculo eleitoral, jogou, conscientemente, todas as suas bandeiras e esperanças na lata de lixo da História.
Um horror!

12 novembro 2006

ORTOTANÁSIA: UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL
A OAB paulista opina que deve ser levado em conta o que a opinião pública pensa a respeito da Ortotanásia. Seria o caso, então, de questionar o que a opinião pública pensa a respeito da pena de morte: a OAB deixaria por conta dela a decisão de adotá-la ou não? Talvez seja o caso de argüi-la sobre a prerrogativa de os advogados de Marcola ou Fernandinho Beira-Mar visitarem seus clientes na cadeia. Ou, por que não?, sobre o privilégio de os donos de canudo universitário merecerem tratamento VIP, com direito a celas especiais. Sinceramente, prefiro a opinião abalizada do Conselho Federal de Medicina, que, sem o epidêmico vírus do politicamente correto, com base na vivência prática, baixou resolução que normatiza a questão.

Visando colaborar com a discussão, compartilharei minha experiência pessoal, que inclui uma revelação sobre a os motivos que levam os médicos a, sistematicamente, decretarem o caminho da quimioterapia para pacientes terminais de câncer.

Minha mãe teve diagnosticada a recidiva de um câncer no pulmão, infelizmente em estágio metastático. A orientação médica, como é de praxe, foi a quimioterapia (com tudo o que ela representa em termos de sofrimento e desconforto). Não me conformando em vê-la submetida ao conhecido padecimento físico e espiritual, consultei outros dois oncologistas que, obviamente (e essa obviedade é explicada mais adiante) repetiram o encaminhamento: quimioterapia.


Ainda inconformado, procurei um irmão de meu pai, médico (ortopedista!), que, depois de analisar as imagens tomográficas, confirmou a gravidade e irreversibilidade do caso. Mas, para minha surpresa, afirmou que iria consultar um colega oncologista. Repeti que já havia ido a três e todos tinham sido taxativos na prescrição da quimioterapia. Ele insistiu na consulta a seu colega, sem revelar em quê ela poderia diferir das anteriores.

Dias depois, ele me chamou. Seu colega oncologista havia lhe dito que, se fosse sua mãe, a levaria para casa para que ela pudesse usufruir seus últimos meses de vida em conforto, com o carinho dos seus entes queridos, a comidinha, o travesseiro, o jornal de manhã, a novela à noite, além de todas as quinquilharias caseiras que fazem parte do universo de pequenos prazeres, afetos e afinidades eletivas de cada um de nós.

Intrigado, perguntei a que se devia disparidade tão radical em relação às demais orientações. E aqui vai a dica, que, evidentemente, não se aplica a todos os casos. Segundo meu tio, na relação médico-paciente o profissional não pode deixar de recomendar a quimioterapia, sob o risco de vir a ser processado por incúria, negligência ou seja lá o termo jurídico que se aplique. Como ele havia consultado o colega na condição de amigo, este pôde dizer-lhe o que seria, de fato, mais aconselhável, pois, segundo ele, o CA alcançaria o coração ou o cérebro antes que a medicação contra as dores começasse a não fazer mais efeito.

E foi o que fizemos, eu e meus irmãos, garantindo à nossa amada e saudosa mãe, que, aparentemente, desconhecia a fatalidade da situação, um final de vida digno, amoroso, feliz, pleno de calor humano e muito afeto.

Quando tomamos essa decisão, nem sabíamos tratar-se dessa tal Ortotanásia, que, infelizmente, tem o mesmo radical de Eutanásia, significando, porém, coisa absolutamente diversa, mas sofrendo as conseqüências maléficas desse parentesco lingüístico. A primeira é uma homenagem à vida, a segunda, sua negação.

Em relação à decisão que tomamos, vêm-me à lembrança as palavras de Goethe, em suas Afinidades Eletivas:

"A quietude paira sobre sua morada; anjos serenos, seus afins, olham-nos do espaço".

10 novembro 2006

TODO APOIO À LEI

artigo publicado no Diário Catarinense de 10/11/2006
No texto pelo qual foi condenado pela Justiça, Emir Sader termina assim a sua catilinária contra o senador Bornhausen: “Obrigado por realimentar no povo e na esquerda o ódio à burguesia”. Esta passagem me faz lembrar um sentimento que já me assombrou várias vezes nesses quatro anos: agradecer a Lula “por realimentar no povo e nos democratas o desprezo às esquerdas”.



Os esquerdinhas mais afoitos vão retrucar: “Que povo?, cara pálida, o povo votou no Lula!!!”.
Engano, petralhinhas! Votaram em Lula 46,29% dos eleitores aptos a votar e 53,71% não votaram em Lula. Portanto, nós somos a maioria, 10 milhões a mais do que os que garantiram que Lula fosse “réu-eleito”.
Lula e seu (des)governo estão abrindo os olhos de muita gente que tinha esperança de que “sua raça” fosse capaz de dirigir um país com a complexidade do Brasil. O número de pessoas que anda estudando e reconhecendo as virtudes da liberal-democracia é crescente.
Como sempre acontece quando “essa raça” é questionada, seus aparelhos (CUT, UNE, MST, sindicatos, ONGs) e aparelhados (jornalistas, acadêmicos, intelequituais) estão circulando um abaixo-assinado que condena a decisão da Justiça. Afinal, para “essa raça” todos que comungam do evangelho petista-bolivariano são inimputáveis.
Pois então, nós, a maioria, temos o dever de reagir na mesma moeda. Para isso, basta enviar mensagens de apoio à decisão judicial e, pois, à lei, para o e-mail euapoioalei@pfl.org.br. Não custa lembrar que na frase "A gente vai se ver livre desta raça por, pelo menos, 30 anos" o sentido do vocábulo "raça" é, obviamente, “grupo de pessoas”, como consta de qualquer dicionário.
Não sou catarinense de nascimento nem advogado, mas, caso reunisse essas duas virtudes, entraria com ação contra Sader, pois em seu artiguete há uma ofensa, ou injúria, dirigida a todas as pessoas do Sul, já que ele se refere a Bornhausen como sendo “proveniente de uma região do Brasil em que setores das classes dominantes se consideram de uma raça superior”.

Como diz o jornalista Reinaldo Azevedo, “escolhendo certas lutas, escolhemos em que mundo queremos viver e o que aceitamos para nós mesmos”.

09 novembro 2006


CIVILIZAÇÃO OU BARBÁRIE


A obra prima do espanhol Ortega Y Gasset, “A Rebelião das Massas”, começou a ser publicada em 1926 no jornal madrilenho El Sol.
Nela, ele retrata as vertiginosas transformações do século XX, especialmente o crescimento das massas urbanas, o enfraquecimento do indivíduo, o agigantamento do Estado e antevê suas conseqüências, como o nazismo e o fascismo.
Num momento como o que vivemos no Brasil, em que se percebe claramente uma inclinação para o autoritarismo, haja vista as manifestações populares e oficiais de enfrentamento contra a imprensa livre, é oportuníssima a releitura desse clássico, do qual extraio um sumo saboroso.





CORRUPÇÃO: “O acanalhamento não é outra coisa senão a aceitação de uma irregularidade como estado habitual e constituído, de algo que enquanto se aceita continua parecendo indevido. Como não é possível converter em sã normalidade o que em sua essência é criminoso e anormal, o indivíduo opta por adaptar-se ao indevido, fazendo-se totalmente homogêneo com o crime ou irregularidade que arrasta”.




“No âmbito familiar, tudo, até os maiores delitos, pode ficar no final das contas impune. O âmbito familiar é relativamente artificial, e tolera dentro de si muitos atos que na sociedade, no ar da rua, trariam automaticamente conseqüências desastrosas e iniludíveis para seu autor. Mas o ´mocinho satisfeito´ acredita poder comportar-se fora de casa como em casa, acredita que nada é fatal, irremediável e irrevogável. Por isso acredita que pode fazer o que bem entende”.

HOMEM-MASSA: “O homem seleto não é o petulante que se supõe superior aos demais, mas o que exige mais de si que os demais. A nobreza define-se pela exigência, pelas obrigações, não pelos direitos. (...) O vulgar, ao contrário, não suspeita de si mesmo. Não há modo de desalojar o tolo de sua tolice, levá-lo um pouco além de sua cegueira e obrigá-lo a que contraste sua visão grosseira habitual com outros modos de ver mais sutis. O tolo é vitalício e impermeável. Por isso dizia Anatole France que o néscio é muito mais funesto que o malvado. Porque o malvado descansa algumas vezes; o néscio, jamais”.

“Não que o homem-massa seja tolo. Pelo contrário, o atual é mais esperto, tem mais capacidade intelectiva que o de nenhuma outra época. Mas essa capacidade não lhe serve de nada; a rigor, a vaga sensação de possuí-la apenas lhe serve para fechar-se mais em si mesmo e não usá-la. De uma vez para sempre consagra os vocábulos ocos que o acaso amontoou no seu interior, e com uma audácia que só se explica pela ingenuidade, tenta impô-los por toda parte”.
“Característico em nossa época não é que o vulgar creia ser destacado e não vulgar, mas que proclame e imponha o direito da vulgaridade, ou a vulgaridade como um direito”.



ESTATIFICAÇÃO: “Imagine-se que sobrevém na vida pública de um país qualquer dificuldade, conflito ou problema: o homem-massa tenderá a exigir que imediatamente o Estado o assuma, que se encarregue diretamente de resolvê-lo com seus gigantescos e incontrastáveis meios. Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatificação da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado. (...) Quando a massa sente uma desventura, ou simplesmente algum forte apetite, é uma grande tentação para ela essa permanente e segura possibilidade de conseguir tudo – sem esforço, luta, dúvida nem risco – apenas ao premir a mola e fazer funcionar a portentosa máquina”.
CIVILIZAÇÃO: “Civilizado é o mundo, seu habitante, porém, não o é: nem sequer vê nele a civilização, mas usa dela como se fosse natureza. Deseja o automóvel e goza dele, mas crê que é fruta espontânea de uma árvore edênica. No fundo de sua alma desconhece o caráter artificial, quase inverossímil, da civilização. A civilização não se sustenta a si mesma. É artifício e requer um artista ou artesão. Como não vêem nas vantagens da civilização um invento e construção prodigiosos, que só com grandes esforços e cautelas se pode sustentar, crêem que seu papel se reduz a exigi-las peremptoriamente, como se fossem direitos nativos”.
“A civilização do século XIX permite ao homem médio instalar-se em um mundo abundante, do qual percebe só a superabundância de meios. Encontra-se rodeado de instrumentos prodigiosos, de medicinas benéficas, de Estados previdentes, de direitos cômodos. Ignora, porém, o difícil que é inventar essas medicinas e instrumentos e assegurar para o futuro sua produção; não percebe o instável que é a organização do Estado, e mal sente dentro de si obrigações. Este desequilíbrio o falsifica, vicia-o. A forma mais contraditória da vida humana é o ´mocinho satisfeito´, que veio à vida para fazer o que bem entende”.

02 novembro 2006

FENÔMENO ELEITORAL


Na eleição de 2002, Luiz Henrique obteve 50,34% dos votos, Amin 49,66%, uma exígua, mas suficiente, diferença de 20.724 votos contra um candidato, até então, considerado imbatível. Agora, em 2006, Luiz Henrique obteve 52,71% dos votos, Amin 47,29%, uma maiúscula diferença de 173.268 votos. De uma eleição para outra, LHS acrescentou ao seu patrimônio eleitoral 172.737 votos, Amin 20.193. Na última eleição, Luiz Henrique venceu em 188 municípios (64,16%, quase dois terços), Amin em 105 municípios (35,84%).
No primeiro turno, Luiz Henrique obteve 66,18%, mais de dois terços, dos votos válidos em Joinville, enquanto Amin fez 43,26 na Capital. No segundo turno, Luiz Henrique aumentou o percentual no seu principal reduto eleitoral para 72,65% (7 de cada 10), enquanto Amin atingiu 60,28% no seu.

Considerando, arbitrariamente, que a conquista de até 55% do eleitorado pode ser vista como um empate técnico (um com 49%, outro com 51%; um com 48%, outro com 52%; e assim por diante), se avaliarmos as performances dos dois candidatos acima desse percentual tem-se que LHS fez mais de 80% em um município, Amin em nenhum; LHS fez mais de 75% em um município, Amin em nenhum; LHS fez mais de 70% em quatro municípios, Amin em nenhum; LHS fez acima de 65% até 70% em 19 municípios, Amin em três; LHS fez acima de 60% até 65% em 35 municípios, Amin em oito; LHS fez acima de 55% até 60% em 124 municípios, Amin em 32.
Esses números são, certamente, resultado da boa avaliação de seu governo e, especialmente, do sucesso da descentralização, somado a uma forte, leal e competente aliança, que permitiu não apenas a sua reeleição, mas, também, dar a Geraldo Alckmin mais de 54% dos votos dos catarinenses e a Raimundo Colombo a maior vitória já alcançada por um político catarinense, 1.734.794 votos, mais de 58% do total, quase um milhão de votos à frente do segundo colocado, além de uma forte e inédita bancada aliada de 27 deputados estaduais e 10 federais.
E tudo isso apesar das baixarias, mentiras e apelações desesperadas praticadas pelo adversário, que, nas últimas semanas, começou a tratar Santa Catarina como um saldão, um fim-de-feira, uma liquidação de ofertas as mais absurdas e irresponsáveis, sem falar da aliança ornitorrinco, ou Frankenstein, verdadeiro abraço de afogados que maculou a história do PT catarinense.
Pensando bem, depois de ouvir Lula dizer que acha correto atribuir ao adversário uma intenção que ele não tem (como a de que iria privatizar tudo), e afirmar, com a maior displicência, que “cabe ao outro desmentir"; depois de ler entrevista do governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, em que ele afirma que “os petistas têm o direito de mentir”; pensando bem, e lembrando a forma como agiu o candidato, e bom discípulo petista, Esperidião Amin, talvez eles de fato tenham algo em comum – a falta de pudor, a ausência de limites, a inexistência de valores éticos e morais, a perda da vergonha, da compostura, da lisura, transformando a política num vale-tudo indecoroso.
Por isso tudo, mais o fato, infelizmente pouco valorizado pelos meios de informação, de Luiz Henrique ter renunciado ao governo para, assim, ficar em igualdade de condições com seu oponente, sua reeleição merece mesmo ser considerada um fenômeno. Afinal, desde 1986, portanto 20 anos, nenhum governador lograra fazer o seu sucessor ou se reeleger.
Também merece ser feita uma rápida observação sobre a eleição presidencial. Os petistas, que andam enchendo a boca para incensar o seu “guia genial dos povos”, por ter ele alcançado mais de 60% dos votos, podem baixar a crista, descalçar o salto alto e pensar duas vezes antes de continuar a perseguir jornalistas. Considerando-se os votos de Alckmin, mais as abstenções, os brancos e os nulos, votaram em Lula 58.295.042 eleitores (46,29% dos aptos a votar) e não votaram em Lula 67.617.893 (53,71% dos aptos a votar). Portanto, nós, que não fomos cúmplices da reeleição desse governo que aí está, somos a maioria, quase 10 milhões a mais do que os que, infelizmente, garantiram que Lula fosse “réu-eleito”.