26 julho 2006

QUE SAIS-JE?

Quando, em pleno século XXI, assistimos, mais uma vez, à barbárie tomando conta do Oriente Médio, teatro macabro que mais se parece com um continuum de desvario, desinteligência, arrogância, ódio, rancor, somos obrigados a valorizar ainda mais o gênio do ensaísta francês Michel de Montaigne.
Nascido em 1533, publicou uma única, mas imorredoura, obra – Ensaios - quando tinha meros 36 anos. Nela, ele antecipa o que os nossos antropólogos, quatro séculos depois, viriam a chamar de “relativismo cultural”, uma das mais importantes ferramentas na luta contra os preconceitos e as intolerâncias.
Sua capacidade de ousar, inovar e pensar à frente da sua época (avant la lettre, diriam os franceses), é ainda mais notável quando se verifica que a publicação da obra ocorreu justamente no período de maior intolerância em seu país, culminando, três anos depois, no trágico Massacre da Noite de São Bartolomeu, episódio sangrento em que os reis franceses (católicos) reprimiram os protestantes (chamados de huguenotes).
As matanças, organizadas pela casa real francesa, começaram no dia 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, de 1572, e duraram até outubro, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas, vitimando entre 70.000 e 100.000 protestantes franceses.
Relatos dão conta de que, por um bom tempo, ninguém comia peixe, pois durante meses surgiam cadáveres boiando nos rios. É sabido, também, que o Papa Gregório XIII ficou muito feliz com a notícia do massacre, mandando que os sinos de Roma ressoassem para um dia de graças. Além disso, mandou cunhar uma medalha comemorativa em honra da ocasião e encomendou ao pintor Giorgio Vasari um mural celebrando o massacre.
Pois é nesse cenário de beligerância, cizânia, discórdia e hostilidade que o gênio de Montaigne consegue elaborar uma louvação à tolerância, à generosidade, à transigência, à concórdia.
Num dos ensaios, o 31° do primeiro livro, intitulado Deuses Canibais, o ensaísta revela as impressões colhidas em conversas com um seu serviçal, que vivera muito tempo naquela outra parte do mundo que Villegaignon chamou de França Antártica. “Não existe nada de bárbaro e de selvagem naquele povo (...) cada um chama de barbárie aquilo que não está nos seus costumes; como realmente parece que nós não temos outra pedra de toque da verdade e da razão senão o exemplo e a idéia das opiniões e das usanças dos países em que estamos. Nesse lugar encontram-se sempre a religião perfeita, o regime perfeito, o uso perfeito e refinado de cada coisa”.
Depois de lembrar das crueldades e desumanidades praticadas pela Santa Inquisição, Montaigne conclui: “Nós bem que podemos chamá-los de bárbaros, considerando as regras da razão, mas não com respeito a nós mesmos, que os superamos em toda espécie de barbárie”.
Com a agudização dos conflitos no Líbano e Israel e a aproximação dos embates eleitorais por aqui, vale lembrar a divisa que o sábio, e por isso humilde, Montaigne mandou estampar no seu brasão: "Que sei eu?".

19 julho 2006

INFÂNCIA PERPÉTUA OU CIDADANIA?
Nas páginas amarelas da revista Veja, edição de 28 de junho, o entrevistado foi o conceituado historiador inglês Paul Johnson.

Segundo ele, “só a criatividade pode garantir o progresso. O problema é que o homem tem uma propensão negativa a encontrar razões científicas ou morais para frear a criatividade, seja na economia, na política ou nas artes”.

Para esclarecer a dúvida sobre a possibilidade de a destrutividade anular a criatividade, ele afirma que isso acontece, e muito, e dá como exemplo “o marxismo, cuja contribuição para a humanidade foi totalmente negativa”, mas crê que, com liberdade de informação e de expressão, a tendência é que a criatividade ganhe a guerra. “São duas forças antagônicas, mas necessárias – são a tese e a antítese que vão gerar a síntese. Mas é vital que a criatividade – a tese – supere seu adversário e vença, pois só ela pode garantir o progresso”. Perguntado sobre a razão que leva o homem a ser negativista, disse apenas: “O medo, esse é o maior estimulador do atraso”.
Com a proximidade do horário eleitoral, certamente vamos ser bombardeados com milhares de informações, contra-informações, desinformações. Para conseguir sobreviver com alguma lucidez desse tiroteio, habilmente manipulado por marqueteiros de ambos os lados, é fundamental termos uma tábua de valores para nos guiar nesse bangue-bangue labiríntico.
O psicólogo norte-americano Aaron Beck (esq.) formulou o conceito de “pensamento automático”. De acordo com ele, como o cérebro humano não é capaz de analisar detalhadamente cada situação, cria alguns esquemas prévios e acaba se viciando neles. Às vezes, esse vício é tão forte que o cérebro deixa de levar em consideração os dados reais, criando o que ele definiu como “distorções cognitivas”. É contra isso que devemos nos precaver.


Nem tudo é branco nem tudo é negro. Especialmente nessa área – a política -, quase tudo é sempre cinza.

Por exemplo: a reeleição é boa ou má? Depende! Reeleger quem traiu suas promessas é um absurdo, mas reconduzir ao cargo quem as cumpriu e demonstra ter uma nova e boa plataforma, de continuidade ou de aperfeiçoamento, é prova de inteligência e maturidade cívica.


Outro exemplo: todos os políticos prometem as mesmas coisas, não dá para confiar em nenhum. Calma lá! Enquanto alguns passam a vida fazendo bravatas e prometendo o impossível, e quando chegam lá negam tudo o que pregaram, outros, quando na oposição, preferem ser econômicos nas críticas preferindo defender propostas e alternativas.

É óbvio que o preparo intelectual, a experiência e a honestidade são importantes, talvez até mesmo fundamentais, mas isso são pré-requisitos, condições sine qua non para se levar alguém a sério. Mas, então, como escolher o melhor?


Um dos maiores pensadores das sociedades, o francês Alexis de Tocqueville (esq.), ao comparar a sua conturbada França com a América, pujante e vigorosa, que tão bem estudou, lamenta o destino de seu país: “Acima dessa multidão vejo alçar-se um imenso poder tutelar, que sozinho ocupa-se em assegurar aos súditos o bem-estar e em zelar pela sua sorte. Pareceria com a autoridade paterna se tivesse como objetivo a preparação dos homens à virilidade. Mas, pelo contrário, busca somente mantê-los numa infância perpétua”.

Aí está um excelente critério para decidir entre candidatos que, “aparentemente”, prometem as mesmas coisas.

Qual deles tem medo do novo e, por isso, prefere não arriscar nada, mas apenas manter o passado congelado? Será mesmo que os juros não podem baixar? Nada revolucionário, apenas cortá-los pela metade, e, ainda assim, ficar acima do segundo maior juro do mundo. Será que alguém de boa fé, sem interesses meramente eleitoreiros, pode defender a volta da velha e desmoralizada centralização administrativa, que tantos males já nos causou?

Qual deles me considera tutelável, incapaz de participar e decidir como um cidadão dotado de criatividade e virilidade suficientes para contribuir com o desenvolvimento do meu País, do meu estado? Será que as bolsa-isso, bolsa-aquilo representam um projeto de Nação, ou será que podemos almejar algo além desse horizonte africano para o nosso País? Será que alguém honesto intelectualmente pode defender o fim da participação da sociedade nos conselhos que definem onde e como aplicar os recursos das suas regionais?

"Existem duas maneiras de se passar pela vida sem problemas: acreditar em tudo ou duvidar de tudo; de ambos os modos se evita pensar", diz o lingüista polonês Alfred Korzybski.

Não acredite em tudo nem duvide de tudo. Pense bem antes de votar.

17 julho 2006

HADLEYBURG E O PT, TUDO A VER
O escritor norte-americano Mark Twain, autor das conhecidíssimas aventuras de Huckleberry Finn e Tom Sawyer, tem uma faceta pouco conhecida. Ele foi um dos mais ardorosos e contundentes críticos do imperialismo do seu próprio país, tendo publicado dezenas de panfletos que atacavam as ações ianques nas Filipinas, Panamá, México, Cuba, Nicarágua, República Dominicana. “Eu me recuso a aceitar que a águia crave suas garras em outras terras”, sentenciava. Acusado de traição, retrucava: “Eu gostaria de ensinar o patriotismo nas escolas, e o ensinaria assim: jogaria fora a velha máxima ´Minha Pátria, certa ou errada, minha Pátria´, e em seu lugar diria ´Minha Pátria, quando certa´”.
Twain foi, também, um analista feroz do hipócrita american way of life. Escrita em 1899, “O Homem que Corrompeu Hadleyburg” é considerada uma de suas mais brilhantes histórias. Nela ele aborda o processo de derrocada moral de uma pequena cidade, até então considerada um reduto de excelência de conduta. “Hadleyburg era a cidade mais honesta e honrada de toda a região. Já mantinha esta reputação imaculada havia três gerações (...) As cidades vizinhas tinham inveja dessa honrada supremacia (...) mas, mesmo assim, eram obrigadas a reconhecer que era uma cidade realmente incorruptível”. Assim começa a história da aparentemente pura e imaculada Hadleyburg, que, graças à engenhosidade da trama urdida por Twain, não resiste a parcas 50 páginas antes de revelar-se a mais mentirosa, corrupta e desprezível das cidades. Hadleyburg, no fundo, era uma farsa grotesca.

Assim como já vimos nos filmes "Beleza Americana” e “Dogville”, sob a carapaça virtuosa escondiam-se as mais abjetas pulsões anímicas, sem falar das visíveis - a arrogância a toda prova, a auto-suficiência insolente, a pedanteria desaforada. Quem destampou a caixa de Pandora daquele pequeno burgo foi um estrangeiro que, de passagem por lá, foi ofendido e humilhado por um dos seus ilustres membros. Rancoroso, durante um ano ele arquiteta sua vingança: corromper Hadleyburg!!! Depois de espalhar suas ardilosas armadilhas, as tentações pelo vil metal ganham corpo celeremente no povoado. Enquanto são facilmente derrubadas as máscaras, armaduras e carapuças dos 19 principais cidadãos, das 19 principais famílias, eles continuam recitando, maquinalmente, o mantra que ainda impregna suas mentes: “Não nos deixeis cair em tentação”. Mas, ao fim e ao cabo, vence a natureza humana, impondo-se, implacavelmente, sobre aquela frágil e débil pureza nunca antes testada. Todos se revelam torpes, vis, malignos, ignóbeis, desprezíveis, indignos, imorais, desonestos, aéticos.

Ao reler essa deliciosa história, não pude resistir à imediata correlação com o PT e sua história – vestais imaculadas transfiguradas em lambuzados mensaleiros, santarrões virginais metamorfoseados em quebradores de sigilo, torquemadas e savonarolas convertidos à liturgia profana de Jeany Mary Corner, pregadores flagrados pecadores, presos políticos reduzidos a políticos presos (quem dera!).
Quando Twain fala dos 19 íntegros e impolutos, a reação quase automática é começar a recapitular a débâcle petista para checar se há também semelhança numérica entre as histórias: Benedita, José Dirceu, Waldomiro Diniz, Palocci, Juscelino Dourado, Rogério Buratti, Gushiken, Genoíno, Delúbio, Silvio Pereira, Marcelo Sereno, Henrique Pizzolatto, Jorge Mattoso, Okamoto, João Paulo Cunha, José Mentor, Josias Gomes, Paulo Rocha, Duda Mendonça - dezenove! BINGO! -, mas poderia ser bem mais, se incluíssemos o homem-cueca, os bispos aliados et caterva...
Sucumbindo ao humor corrosivo de Twain, diria que essa súcia parece pautar-se no lema do desabusado Tim Maia: "Não fumo, não bebo, não cheiro; só minto um pouco".
A farsa do PT pode ser bem entendida a partir do que disse o poeta norte-americano Stephen Vincent Benét: "Se a idéia é boa ela sobreviverá à derrota. Se ela for mesmo boa, pode sobreviver até à vitória". Como se sabe, o PT sobreviveu a várias derrotas, mas foi incapaz de resistir à vitória.Diante desse cenário devastador, desintegrador de valores e desarticulador das instituições, talvez só reste apelar para a farmacopéia moral disponível nas estantes dos tempos: Demócrates: “Tudo está perdido quando os maus servem de exemplo e os bons de deboche”. Jean-Paul de Gondi, cardeal de Retz: "Quando os que mandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito”. Nathaniel Lee: "Quando homens pequenos lançam grandes sombras, é porque a noite está chegando". Disraeli: "O momento exige que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas!!!".
Mas, talvez, a melhor solução seja aquela sugerida (em tom de blague) pelo publicitário norte-americano Bill Bernbach:
Tenho uma grande idéia: vamos dizer a verdade!”.

13 julho 2006

VENALIDADE NA OPOSIÇÃO

Existem dois Vieirões: o que era governo e o que é oposição.
Quando ele era governo, deixou restos a pagar de R$ 344 milhões. Agora, que está na oposição, virou uma espécie de Parreira, ensinando os outros como esticar o meião.
Quando ele era governo, usou o servidor como massa de manobra, deixando-os dois anos e sete meses sem o salário atrasado pela gestão anterior. Agora, que está na oposição, virou uma espécie de sindicalista radical chic.
Quando ele era governo, entregou a secretaria da Saúde com uma dívida de curto prazo de 58 milhões de reais. Agora, que está na oposição, aderiu gostosamente à turma da bravata.
Quando ele era governo, deixou a Celesc acumular prejuízo de R$ 290 milhões de reais. Agora, que está na oposição, acha que tudo é uma questão de ´vontade política´, o governo só não faz o que não quer fazer, pois é cruel, insensível, ´do mal´.

Quando ele era governo, deixou a Casan sangrar até quase quebrar, não honrando, inclusive, uma prestação vencida com o Banco Mundial, de R$ 13 milhões de reais. Agora, que está na oposição, sai por aí, como um pseudo Catão, brandindo: “Delenda Luiz”.
Quando ele era governo, deixou de honrar precatórios no valor de R$ 95 milhões de reais. Agora, que está na oposição, vive nos jornais e nas tribunas, tal qual um Chapolim decrépito, recitando: "Não contavam com minha astúcia".
Quando ele era governo, deixou a dívida pública fundada explodir, em apenas quatro anos, de R$ 3 bilhões de reais para R$ 8 bilhões de reais, sangrando nosso caixa em R$ 50 milhões de reais todo mês. Agora, que está na oposição, faz o que pode, e o que não pode, para dificultar a vida dos que o sucederam.

Quando ele era governo, teceu uma poderosa rede de relacionamentos, o que lhe garantiu, junto com uma desabrida invasão em searas alheias, a folgada eleição que o levou à Assembléia Legislativa, o que me traz à lembrança a frase do escritor francês La Rochefoucauld: "O renome de grandes homens deve ser sempre medido pelos meios que utilizaram para consegui-lo”. Agora, que está na oposição, transformou-se em ´cavalo´ do Inquisidor-Geral Torquemada, acendendo suas fogueiras da intolerância.
Quando ele era governo, achava que aquele Terceiro Reich duraria mil anos. Agora, que está na oposição, faz-nos recordar de outro escritor francês, Henry Rabusson, que dizia: “Os únicos defeitos verdadeiramente grandes são aqueles de que nos orgulhamos como qualidades”.

Quando ele era governo, rezava pela cartilha de Diderot: “Ignoro o que sejam princípios, a não ser que se tratem de regras que se prescrevem aos outros para nosso proveito”. Agora, que está na oposição, dá razão ao poeta inglês Robert Browning: "O demônio é mais diabólico quando parece respeitável”.
Quando ele era governo, achava que uma boa campanha eleitoral bastaria para engabelar o cidadão.
Enganou-se.


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ORIGEM DA CRÍTICA

Realidade ou ilusão
Existem dois governos em Santa Catarina: o da vida real e o da propaganda. No governo da vida real, a Polícia Militar raciona gasolina, diesel e álcool, e a Polícia Civil, também. No mundo real, nem o Corpo de Bombeiros passa incólume: "Quando temos um problema em algum caminhão (do 1º Batalhão), consultamos as unidades mais próximas para saber se podemos baixar o nosso. Se uma outra unidade estiver sem o veículo, não podemos consertar o nosso", desabafou um sargento.
Um soldado do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), de Florianópolis, declarou ao jornal que são realizadas "algumas rondas pelo continente onde o batalhão está localizado e fica por isso mesmo". Não tem gasolina.
Em Palhoça, os policiais P2 estão sem automóveis há dois meses. E os policiais designados para a segurança da Festa do Divino no município foram caminhando do quartel ao local da festa, percorrendo cinco quilômetros.
A sede da Polícia Ambiental, recém-construída à beira-mar, ao lado da cabeceira da ponte Pedro Ivo Campos, está com graves rachaduras e terá de ser abandonada. O governo real governa muito mal.
Já o governo da propaganda, ah, esse é bom. O contraste é tão gritante que alguém ainda vai exigir gravemente: "Quero o governo da propaganda".
De fato, inflada por dezenas de milhões de reais, a publicidade tenta incutir no imaginário dos catarinenses um governo maravilhoso, como o bordão do horário eleitoral gratuito do PMDB: "Genteee, a educação em Santa Catarina é fantásticaaa!"
Mas, na vida real, pais de alunos protestam contra a defasagem do ensino e reivindicam mais qualidade na educação. Uma mãe de aluno do Instituto Estadual da Educação (IEE), o maior colégio público do Estado, lamentou: "As crianças estão levando os livros para passear, porque o conteúdo simplesmente não avança" (DC, 21/6/2006).
Essa mãe exibiu o caderno de matemática do filho, para mostrar que na 5ª série ainda aprendia a somar, dividir, diminuir e multiplicar.
A publicidade consome boa parte dos recursos públicos. Recursos que faltam para a gasolina da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil, mas faltam também para a saúde, educação, para melhorar o salário dos professores, e por aí vai.
A Secretaria da Agricultura não tem recursos para o programa de troca-troca de sementes e calcário e jamais teve para continuar o programa de reflorestamento com adiantamento de renda. A Fazenda não tem como honrar mais de 1.800 convênios com municípios e entidades da sociedade civil. E a Secretaria da Educação, por sua vez, não tem honrado o repasse das bolsas para estudantes carentes.
Esse governo acha que uma boa campanha publicitária agora, no período eleitoral, bastará para engabelar o cidadão. Está enganado?
Antônio Carlos Vieira, deputado estadual

12 julho 2006

MAUS EXEMPLOS ARRASTAM
O que será que está acontecendo no âmbito da ética, da moral, dos valores e dos costumes, não só no Brasil, que hoje convive com uma das mais graves e abrangentes crises institucionais de sua história, mas no mundo todo, como se, de repente, séculos de cultivo do espírito e aprendizado democrático merecessem um desprezo e um menoscabo generalizados?
O filósofo britânico Bertrand Russell (esq.) dizia que “a humanidade tem uma moral dupla: uma que prega, mas não pratica, outra que pratica, mas não prega”.
E não foi outra coisa que fez a Fifa. Depois de colocar criancinhas desfilando com a bandeira do fairplay e exigir que alguns craques lessem frases contra o racismo, deu o título de melhor jogador da Copa para o chifrudo Zidane, uma afronta, um escárnio, um péssimo exemplo para bilhões de pessoas em todo o mundo.
Houve quem dissesse que talvez a votação já estivesse definida antes daquele acesso de fúria bovina, e que não daria para fazer nova votação. Bobagem! Seria ainda mais educativo dizer que, apesar de ele ter sido o mais votado, seu título fora cassado e entregue ao segundo colocado.
Afinal, como bem disse o ator alemão Klaus Kinski (esq.), “um homem deve ser julgado, sobretudo por seus vícios. As virtudes se pode fingir; os vícios são sempre genuínos".
Aqui no Brasil, minha estranheza fica por conta do comportamento da nossa grande imprensa. Ela adora reclamar, apontar erros, cobrar atitudes e posturas éticas, mas se esquece da prédica do Padre Antônio Vieira: As palavras convencem, o exemplo arrasta”, e da advertência de Montesquieu (abaixo.): "A força do princípio arrasta tudo”.

A sua permanente - e justa - crítica às mazelas da nossa classe política, torna incompreensível o completo desprezo demonstrado pela grande imprensa nacional a um dos raros fatos edificantes da nossa recente agenda política nacional.
Se, de fato, o exemplo arrasta, por que razão a imprensa brasileira não deu a devida divulgação ao gesto do Governador catarinense renunciando aos derradeiros seis meses de seu mandato, para ficar em igualdade de condições com seus adversários? Não precisaria desmanchar-se em elogios, sonho dos assessores de imprensa, mas ao menos registrar o fato, friamente que fosse, deixando ao leitor o exercício intelectual de fazer a comparação com os demais executivos pleiteantes à reeleição.
Como Lula, por exemplo, que, na última terça-feira, cinicamente reclamou que não poderia fazer campanha no horário comercial durante a semana, como seus adversários. Ora, bastaria que renunciasse, abrindo mão do salário, do avião e de todo o aparato que lhe dá sustentação. Mas ele prefere dar o mau exemplo, o da esperteza, o da malandragem, o da Lei de Gerson.
Ao omitir-se diante do gesto do Governador, a grande imprensa nacional dá razão àqueles que a criticam como serva das más notícias, ave de mau agouro, que, quando descobre, despreza a boa notícia, privilegiando, sempre e obsessivamente, o ruim, o errado, o nefasto, tornando-se, assim, co-autora do mal-estar que impregna nossas vidas, e abdicando de sua missão de bem informar e, principalmente, formar.
O Governador Luiz Henrique cortou na própria carne, deu o exemplo, que, por emulação, poderia gerar uma saudável demanda por gestos semelhantes, além de servir, também, para minimizar a perigosa unanimidade condenatória em relação à classe política que grassa, não sem razão, na sociedade. Bem divulgada, poderia servir, também, para relativizar algumas biografias que se pretendem lustrosas, impolutas e virtuosas, ressaltando a questão levantada pelo escritor francês La Rochefoucauld (esq.): "o renome de grandes homens deve ser sempre medido pelos meios que utilizaram para consegui-lo”.
Mas para que isso ocorresse seria necessário que seu gesto tivesse sido minimamente divulgado, o que, infelizmente, não ocorreu.



Pensar é fácil; agir é difícil. Agir de acordo com as próprias idéias é o que há de mais difícil no mundo”, sentenciava o poeta e romancista alemão Goethe (esq.).
Será que algo tão raro e tão difícil não é notícia?
Lamentavelmente, parece que aqui – e alhures - só os maus exemplos arrastam...

11 julho 2006

SALVE, REINALDO!

No momento em que o combativo jornalista Reinaldo Azevedo é atingido pelos tentáculos da malta que infesta a Nação, para dar-lhe meu apoio e mostrar-lhe como continua sendo vital a sua luta, selecionei trechos de dois dos maiores discursos já proferidos na Câmara dos Deputados, num tempo em que lá despontavam luminares da cultura nacional. Com ligeiras adaptações [entre colchetes], ambos os pronunciamentos poderiam ser feitos hoje.



Deputado Afonso Arinos à esquerda de Jânio
AFONSO ARINOS
O discurso abaixo foi um dos mais duros e veementes já proferidos no Parlamento brasileiro. Nele, o líder da oposição fala a Getúlio Vargas, “como presidente e como homem”, para pedir-lhe que renuncie à Presidência da República. Era o dia 9 de agosto de 1954. Quatro dias antes, o jornalista Carlos Lacerda, inimigo de Vargas, fora ferido em um atentado na rua Toneleros, em Copacabana, no Rio de Janeiro, no qual morreu o major da Aeronáutica Rubem Vaz. As investigações, conduzidas por oficiais da FAB, logo revelaram que por detrás do crime estavam elementos da guarda pessoal do presidente. É nesse clima que Arinos sobe à tribuna da Câmara e, de improviso, profere o discurso demolidor. As semanas seguintes seriam dramáticas. Pressionado pelas Forças Armadas a renunciar, Getúlio matou-se com um tiro no peito na manhã de 24 de agosto.



Há uma tradição legendária que declara que, no momento em que a maior justiça se encontrou com a maior injustiça e no dia em que o erro supremo se defrontou com a suprema verdade, nesse dia o juiz, o interessado na justiça, o representante de poder estatal, que era Pôncio Pilatos, em face da perturbadora fúria, em face do transviamento das multidões arrebatadas, esquecendo-se dos deveres morais que incumbiam a sua pessoa e dos misteres políticos que incumbiam a seu cargo, respondeu, a uma advertência, com estas palavras melancólicas: "Mas, o que é a verdade?".
A resposta a esta pergunta tem sido inutilmente procurada pelos pensadores e pelos filósofos. O que é a verdade? Para cada um ela se apresenta para cada além, para cada esperança, para cada paixão, para cada interesse. Para cada além, para cada esperança a verdade se reveste de roupagens enganosas. Ninguém jamais formulou esta pergunta em relação à negação da verdade, ninguém perguntou jamais: "O que é a mentira?".
Ao Sr. Presidente respondo que, se não é possível saber o que é a verdade, é perfeitamente possível saber-se o que não é a mentira.
Ele nos acusa de estarmos proferindo mentiras contra seu Governo. Ele investe contra nós, declarando que da voz do povo sai um clamor de mentiras. E eu pergunto: será mentira [a denúncia do Procurador-Geral da República, indiciando 40 envolvidos no escândalo do Mensalão, classificado de “organização criminosa”, cujo núcleo coordenava o esquema, a partir do Palácio do Planalto]? Serão mentiras os corpos dos assassinados [em Santo André]? Será mentira [a quebra do sigilo do caseiro Francenildo]? Será mentira [a montagem de uma quadrilha para perpetuar-se no poder]? Será mentira [que Paulo Okamotto – o doador universal - seja o provedor oficial da família Lula da Silva]? Serão mentira [os dólares na cueca]? Serão mentira [as alegres festinhas de Jeany Mary Corner]?
Será mentira [o Land Rover do Silvinho]? Será mentira [que José Genoíno ultrapassou, de longe, o limite da irresponsabilidade]? Será mentira [o exílio de familiares de Celso Daniel, por sucessivas ameaças de morte]? Será mentira a pedra que rola pelo despenhadeiro do descrédito? Será mentira o desprestígio das autoridades, que vão de cambulhada, com o fracasso da administração? Será mentira que os rios do descrédito e do opróbrio, será mentira que os rios e ribeiros que descem as colinas de nossa vida pública se encontrem, convergem e vão de roldão para a desagregação e para a desmoralização deste governo falido? Será mentira que o País tenha assistido, de algum tempo a esta parte aos mais graves abalos na sua vida e em sua honra? Será mentira [que o marqueteiro do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, desviou recursos para o PT]? Será mentira [que o Banco Popular, do Ivan Guimarães, gastou mais em publicidade do que em empréstimos populares]? Será mentira o espetáculo vergonhoso da submissão de nossa política internacional aos ditames e caprichos de um ditador platino?
Serão acaso mentiras tantas pequenas misérias e pequenas infâmias? Serão mentirosas, ao lado da corrupção nacional, [a conta Dusseldorf no exterior e o reconhecimento de Duda Mendonça do Caixa 2 na campanha de Lula]? Será mentira tudo isso? Estaremos nós vivendo num meio de realidades ou de sonhos? Ou será ele o grande mentiroso, ou será ele o grande enganado ou será ele o pai supremo de fantasmagoria e da falsidade?
Nós não mentimos, Sr. Presidente. O que nós fazemos é conter a verdade, é reprimi-la dentro dos limites do nosso bom senso e do nosso patriotismo. É não permitir, é aconselhar, é insistir para que essa verdade não exploda na desordem.
A sucessão dos acontecimentos que têm golpeado a sensibilidade nacional atingiu, de fato, a limite insuperável; chegou, efetivamente, às fronteiras e aos lindes do inimaginável.
Se eu tivesse a leviandade do Senhor Presidente da República, ao nos acusar infundadamente de mentirosos; se eu quisesse retrucar com essa leviandade incompatível com a magnitude e com a importância do seu cargo, eu teria muito mais razão do que Sua Excelência, que nos chamou de mentirosos, para responder que, dos fatos chegados ao meu conhecimento, se poderia perfeitamente concluir que as investigações não pararam mais no Palácio, que as investigações transpuseram as portas do mesmo Palácio, que as investigações vão além das salas públicas do Palácio, alcançaram os próprios aposentos da intimidade presidencial.

Eu estou, sob qualquer risco, enfrentando qualquer ameaça, olhando de frente qualquer tentativa de intimidação, qualquer apodo, qualquer injúria, qualquer crime, cumprindo o meu dever de brasileiro, dizendo ao povo do Brasil que existe no Governo deste País uma malta de criminosos e que os negócios da nossa República estão sendo conduzidos ou foram conduzidos até agora sob a guarda de egressos das penitenciárias ou pretendentes às cadeias.
Eu lhe digo: Presidente, houve um momento em que Vossa Excelência encarnou, de fato, as esperanças do povo; houve um momento em que Vossa Excelência, de fato, se irmanou com as aspirações populares. Mas eu digo a Vossa Excelência: preze o Brasil que repousa na sua autoridade; preze a sua autoridade, sob a qual repousa o Brasil. Tenha a coragem de perceber que o seu Governo é, hoje, um estuário de lama; observe que os porões do seu palácio chegaram a ser um valhacouto da sociedade. Alce os olhos para o seu destino e observe as cores da bandeira, e olhe para o céu, a cruz de estrelas, que nos protege, e veja como é possível restaurar-se a autoridade de um governo que se irmana com criminosos, como é possível restabelecer-se a força de um Executivo caindo nos últimos desvãos da desconfiança e da condenação.


CARLOS LACERDA
No dia 7 maio de 1957, ameaçado de cassação, o deputado Carlos Lacerda proferiu um discurso que durou 10 horas e entrou para a história.

[Sou] testemunha de um tempo de subversão de valores, no qual, como na sátira de George Orwell, fala-se em liberdade para matá-la, em democracia para destruí-la, em legalidade, para negá-la em sua própria essência. As palavras adquirem sentido oposto ao seu significado, e os homens afetam sentimentos nobres, para justificar, na perplexidade das idéias, a política dos mais baixos instintos.
Parece que uma estranha circunstância acompanha estes episódios, e que tudo que nos acontece ganha, na boca de presa dos nossos inimigos, nome trocado.
Uma democracia não se faz apenas com chamá-la por este nome, é necessário fundá-la na boa fé e não na astúcia, na honradez e não na fraude, porque o povo merece o melhor, e não o mais vil.
Aponto mais um crime, eis-me criminoso. Denuncio uma traição, chamam-me traidor.
Eis, então esta edição pachola do Procurador da Judéia, que não se lembrava, como no conto de Anatole France (esq.), do inocente que entregara à turba enfurecida dos provocadores, mas guardara a memória do ladrão que libertara, para celebrar o poderio de César, só este capaz de premiar ladrões e crucificar os que tivessem a ousadia de expulsá-lo dos templos da sua traficância.
Tudo, menos decepcionar a ilustre platéia que paga caro o lugar à sombra. O ladrão provecto, o contrabandista emérito, o abalizado agente de negócios escusos, o promissor emissário de novas cavações, o pioneiro infatigável das comissões copiosas, os promotores dos prazeres proibidos, os empresários dos gozos inefáveis, os letrados do insulto pago à linha, os pensionistas dos ócios indevidos. A turba que preliba a hora em que o enfurecimento do touro espicaçado, há de levar pelos ares, e fincar-lhe as guampas, ao temerário que ousou mostrar-lhe, nos passos da capa e das Madalenas, o valor da destreza e da coragem lúcida, sobre a brutalidade da besta que escarpa e urra.
Bem fraca na verdade anda a nação que precisar de remendos para se fingir de inteira, que arranhar a legalidade, para mostrar que o seu sangue ainda não se coagulou. A pobre nação, que ora se alui, ora se dilui, ora parece aprumar-se e logo bambeia.
[Anestesiando o povo, dele] faz instrumento da democracia pervertida, escravo da produção para a tirania.
O interesse do povo, em vez de uma razão, converte-se num pretexto para privar o mesmo povo de atender como bem entenda ao seu interesse. [O povo torna-se] uma massa inorganizada ou arregimentada em grupos rigorosamente controlados - no caso brasileiro, pela fraude, pelas autarquias, pelo monopólio do crédito, pelo empreguismo, [pelas bolsas-miséria], pela máquina educacional perra e guinchante.
Numa palavra, o direito passa a ser regido por interesses de grupo que, constituído o governo, dominam o estado, não pelas regras permanentes da razão e da revelação. Talvez alguns fiquem muito surpreendidos e até indignados se lhes dissermos isto, mas saibam que o Estado brasileiro hoje já se parece muito mais com o estado totalitário do que com uma estrutura democrática.
Vivemos no Brasil uma grande mentira. Quanto mais se fala em democracia, mais se proporciona ao povo demonstrações concretas de desapreço por ele, em sua dignidade, em sua honra, em seus interesses permanentes, em suas aspirações mais nobres. Os semimarxistas que governam o país esqueceram-se de que as forças morais condicionam, quando não determinam, as reações do povo.
Desprezaram o valor da crise moral. Esta vai liquidá-los. O que não seria mal, não existissem maiores sacrifícios à nação perplexa. O povo já percebeu que está sendo governado por "fariseus" da democracia, por "Tartufos" de uma pudicícia que, ao menor descuido, se desmanda.
O diálogo democrático transforma-se num monólogo de duas bocas, na qual uma diz o que quer e outra sequer pode dizer o que pensa. Não há quem possa resistir ao assalto da ignomínia, ao horror de tanta lama, do mar que agora invade a terra enxuta, que conseguíramos ressecar com as próprias mãos.
Estamos diante da ofensiva geral dos inimigos, que o são também do Tesouro Público e da esperança popular. Mas uma força possuo que me faz resistir a tudo isto, Sr. Presidente: é a confiança nos desígnios de Deus.
Quero saber até que ponto uma nação atura que dela escarneçam, a trocar o nome das coisas, dos sentimentos e das instituições. A falsificar os programas e inverter as doutrinas, a praticar a demagogia com linguagem Bíblica.
Ainda há ingênuos ou espertos que me julgam cheio de ódios porque sou veemente. Não Sr. Presidente. Sou veemente porque detesto a hipocrisia e o comodismo. Mas não tenho ódios porque sou livre. Quem odeia transforma-se no escravo do outro que ele odeia. Quem me odeia são os meus escravos de hoje, que não querem ser alforriados, porque têm o poder na mão, mas são escravos da cobiça e do ódio que os convertem em escravos da nossa vontade.
Detesto dizer que inspiro medo a certos homens Sr. Presidente, mas esta é a verdade. Felizmente, não aos homens de bem, apenas aos outros. E são esses outros os que se mexem, os que se movem, os que se danam e redanam, nessa dança de fórmulas, de pretextos, de processos, de perseguições, que me atormentam a inteligência, me castigam o corpo, mas me deixam limpo, lavado, o coração impenitente.
Procura-se a minha custa convencer o povo de que é inútil ter ideal, de que é vã toda esperança. Trata-se de esmagar um que parece forte, para que os mais fracos, os tímidos, os humildes, os sempre vencidos, os que não ousam, os que não insistem, os que não se agarram como eu à veemência, para não se entregarem ao desânimo, os que não forçam a violência do verbo e a perseverança na ação porque receiam ser inútil todo o esforço, afinal se entreguem, se abandonem, se deixem dominar.

(Ulysses na Caverna de Polyphemus, by Jacob Jordaens)
Partiu de Ulysses, aprisionado na gruta do Cíclope de um olho só no meio da testa. Ele viu que o gigante Polifemo devorava os seus companheiros, e se preparava para esmigalhá-lo em suas manoplas junto à boca voraz. Embriagou-o então e furou-lhe o olho único, o olho vigilante. Mas como tivera Ulysses o cuidado de dizer ao monstro que seu nome era ninguém, não acudiram os outros monstros ao apelo do Colosso quando, doido de ódio e de rancor, o gigante gritava que ninguém lhe havia furado o olho poderoso.
O governo é hoje, com seu monstruoso aparelho de propaganda, de deformação da verdade e de opressão econômica e política, o Cíclope que ousei desafiar nesta Odisséia. Ceguei-o de ódio, e ele procura esmagar-me com suas manoplas, ajudado por certas mãozinhas, habituadas a outro tipo de serviço. Mas ninguém acode ao monstro ferido só porque ele grita que ninguém lhe vazou o olho pérfido.
Perdendo ou ganhando, nós venceremos, porque os que defendemos a liberdade e a sobrevivência do Direito, somos ninguém. Nós somos a força desprezada. Nós somos os que constroem, com sacrifício e com risco, as vitórias definitivas, as únicas que Polifemo não conhecerá. Nós somos ninguém, porque somos o povo brasileiro.

10 julho 2006

A ARENA DO "LOUROJOSÉ"
O sempre-de-mal-com-a-vida Anderson Loureiro cometeu mais um de seus eméticos panfletos contra tudo o que está aí...
Autoproclamado paladino das artes, continua vagando pelas páginas de jornal como aqueles patéticos cavaleiros errantes da Idade Média, em busca de façanhas que lhes comprovem o valor.
O Anderson “LouroJosé” agora resolveu dar suas bicadas nas arenas multiuso, a respeito das quais destila todo o fel acumulado em anos de ressentida infertilidade.
Pusilânime, diz: “Não tenho nada contra a cantora baiana”, não sem antes tachá-la de “musa das arenas” e “cantora aeróbica”. Como sempre faz em seus textos, mais uma vez consegue desagradar milhares com uma só penada, ofendendo todos os fãs da linda, simpática e competente Ivete Sangalo.
Irascível como sempre, o Anderson “LouroJosé” se diz contrário à mera construção de “obras com o foco centrado no material, no metal, sem ânimo, sem alma”, certamente imaginando um teatro metafísico, alquímico, quimérico, muito mais adequado a esses tempos virtuais.
Amargurado como sempre, o Anderson “LouroJosé” reclama de supostas “promessas ufanísticas como se dissessem que, agora sim, teremos contato imediato e direto com as principais companhias de teatro, de dança e de música, nacionais e internacionais, que (...) nunca param em Santa Catarina”. Além de fantasiar sobre as tais promessas, revela-se típico representante dos mercadofóbicos, seres etéreos que se consideram superiores às asperezas e baixezas de um mercado que insiste em escolher praças que tragam retorno financeiro (argh!).
Categórico e oco, pedante e vazio, pernóstico e vão, pretensioso e cavo como sempre, o destemido Anderson “LouroJosé” sugere que “seja feito também um planejamento artístico que cuide de programar bons espetáculos, em que o poder público seja parceiro, financiador e até patrocinador, se for o caso”. Seria interessante que ele perguntasse à população catarinense o que ela acha de o Estado desviar recursos escassos da segurança, da educação ou da saúde para financiar ou patrocinar “a criatividade dos ávidos e competentes artistas dessa terra”.
No conto “O empréstimo”, Machado de Assis (esq.) traça o perfil de um personagem, aparentado do intrépido Anderson “LouroJosé”, que tinha “a vocação da riqueza, mas sem a vocação do trabalho”. O resultado, como não poderia deixar de ser, é a ruína, a falência, a esmagadora sensação de fracasso, infertilidade, infecundidade. Nem Viagra nem “do-in antropológico” resolvem.
Quem quiser ostentar a folha do loureiro (Laurus nobilis), usada pelos antigos gregos e romanos na confecção das coroas dos vencedores de competições, tem de conscientizar-se de que, hoje, como sempre, ela só adorna as cabeças daqueles que conseguem livrar-se dos antolhos corporativos, romper as travas ideológicas e jogar o jogo, travar o bom combate, ir à luta.
Alguém já disse, e disse-o bem: “Desenhar é fácil: é só correr o risco”.
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ORIGEM DA CRÍTICA
A Arena da Ivete
Anderson Loureiro


O título acima poderia ser A Arena Universal, ou A Arena do Prefeito e até A Arena do Governador, tamanha a vontade pública (?) e a determinação cívica (?) demonstrada pelos governantes catarinenses, quando o assunto é a construção das arenas multiúso, Estado a fora. Mas o título acima pretende somente fazer uma homenagem à musa das arenas em todo o Brasil: a cantora aeróbica Ivete Sangalo. Não tenho nada contra a cantora baiana. Mas será que precisamos mesmo de uma arena multitudo? Será que os prefeitos e os governadores catarinenses - o licenciado e o que assina - acham mesmo que é disso que necessitamos? Será que eles acham realmente que essa é nossa prioridade? Pergunto isso pelo simples fato de que muito antes de se ter definido um local adequado para a famigerada arena, já havia projetos mirabolantes para sua construção e, com eles, todas as promessas ufanísticas como se dissessem que, agora sim, teremos contato imediato e direto com as principais companhias de teatro, de dança e de música, nacionais e internacionais, que sempre saem em turnê pelo País e o mundo, mas nunca param em Santa Catarina. Ou seja, basta termos a arena! Pelas promessas até agora animadamente exaradas, todas as nossas frustrações em relação à cultura findarão, todas as nossas aspirações de inclusão artística serão verdade no exato momento em que a arena da Ivete, desculpe, multiúso, estiver de pé. Então vamos todos apoiar a construção das arenas, certo? Certo. Mas, pelo sim, pelo não, vamos dar um jeito de encaminhar aos prefeitos e aos dois governadores - aqueles dois que a gente já sabe - uma humilde recomendação para que, com o projeto arquitetônico(?) das arenas, seja feito também um planejamento artístico que cuide de programar bons espetáculos, em que o poder público seja parceiro, financiador e até patrocinador, se for o caso, mas de modo que seja realmente um realizador cultural e não somente um convidado chapa-branca das primeiras filas. Que esta não seja mais uma obra com o foco centrado no material, no metal, sem ânimo, sem alma, sem contato com a população e com a classe artística. Para isso, não precisamos de arena alguma, pois os sambódromos estão bons demais. Enquanto nossos teatros por toda Santa Catarina, nossas salas de cinema, nossos espaços públicos de arte, nossos salões de exposições, nossas salas de concerto estiverem assim, com as fachadas pintadas com as cores do governo, mas sem programação de qualidade, sem o comprometimento do poder público e sem o engajamento da comunidade artística do Estado pensando junto, apoiando e exercendo suas atividades, de nada adiantarão as arenas futurísticas gestadas sob a égide da modernidade, do megaevento e do superante. Se quiser pode ver a programação da arena de São José, que é novinha. Precisamos é que os governos tenham noção de que a cultura seja talvez a principal forma de inclusão. Mas eles têm de saber que isso é algo que se faz e não se fala; que não deve ser apenas uma palavra no meio de uma folha de discurso. Para dar a oportunidade ao povo catarinense de ser um cidadão do mundo, antenado com as tendências, com sensibilidade, partindo de suas raízes artísticas, não é preciso construir nada. Basta saber usar o que se tem: os muitos espaços disponíveis e a criatividade dos ávidos e competentes artistas dessa terra. A arena que será construída pode ser só do governo. E pode ser do governo e da população, se houver parceria com os artistas e com a comunidade. Mas o pior é se depois de pronta a gente descobrir que ela é mais um elefante, um sarcófago, uma quadra de esportes ou, o que é pior, que ela é tão-somente a arena da Ivete.
Anderson Loureiro
NEW VIRA-LATAS
Nelson Rodrigues é autor de frases brilhantes, quase sempre reveladoras do caráter brasileiro. Uma das mais conhecidas, e citadas, é a que fala do “complexo de vira-lata” do brasileiro, traço, segundo ele, acentuado com a derrota da seleção em 1950 e atenuado com a vitória de 1958. Ele acreditava que, diante dos louros e bem nutridos atletas anglo-germânicos, a nossa gente bronzeada era acometida de pânico e, ao invés de mostrar o seu valor, gania que nem vira-lata. Para ele, a gente não sabia ganhar, tinha medo de ganhar. Em outro contexto, desenvolveu assim o mesmo conceito: "O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Nossa tragédia é que não temos o mínimo de auto-estima”.

Lembrei de Nelson Rodrigues depois de ler um editorial (“Tríplice Aliança - 28/06) e um artigo (“Quantum” - 30/06) publicados no jornal A Notícia. Ambos, com estranha semelhança, tanto na veemência, como na fragilidade dos argumentos, lançam seus petardos contra a vitoriosa engenharia política costurada pelo candidato à reeleição Luiz Henrique da Silveira.
Será, mesmo, tal aliança digna de tanto fel, rancor e condenação? Nelson Rodrigues tinha outra frase lapidar: "Deve-se sempre desconfiar dos veementes, pois eles estão sempre a um passo do erro e da obtusidade”. É o caso, sem dúvida. Do articulista não se poderia esperar nada melhor do que expôs, haja vista suas notórias relações partidárias. Já do editorialista esperava-se um comportamento mais apolíneo, equilibrado, analítico.

Será que nem o editorialista nem o articulista nunca ouviram falar do Pacto de Moncloa, e dos brilhantes resultados que legou à Espanha? Ou da “Concertación” chilena, que tantos benefícios já trouxe àquele país?
No Chile, a coalizão que governa desde 1990 é a “Concertación por la Democracia”, bloco integrado por democrata-cristãos, socialistas, social-democratas e radicais. Ao final do mandato de Michele Bachelet, a coalizão terá completado vinte anos no Governo, algo inédito num país caracterizado por antagonismos ideológicos tidos como insuperáveis. Para os analistas, o respeito às diferenças legítimas e a capacidade de acertar programas comuns são os fatores que deram vida e solidez à “Concertación”, cujos governos conseguiram triplicar o PIB para US$ 110 bilhões, elevar a renda per capta para US$ 7.300 e reduzir o índice de pobreza de 40% para 18%”.
Na Espanha, o Pacto de Moncloa, firmado em 1977 por representantes de todos os partidos com participação no Congresso, sindicatos e outros setores, selou um acordo para combater a crise econômica que a Espanha enfrentava e garantir as bases legais do moderno Estado democrático espanhol. Em menos de 30 anos, a Espanha passou de 25ª para 8ª economia mundial, e, agora, o compromisso de todos - governos, empresas e cidadãos - é tomar da Itália o posto de 7ª economia do mundo.
Já no Brasil, infelizmente, parece estar se multiplicando uma nova subespécie - o "new vira-lata" -, cuja característica básica é a decepção íntima, profunda, dilacerante, fundamental com a política e os políticos em geral. Tudo que o “new vira-lata” mais adoraria é que seus antepassados tivessem embarcado no Mayflower ou fossem da árvore genealógica de Tocqueville (esq.). Outros, ainda mais equivocados (e desmoralizados), continuam sonhando com pseudo-soluções stalinistas, leninistas ou gramscianas.
Algo já antevisto pelo intelectual Paulo Emílio Salles Gomes, que disseca, com arte, a nossa alma: "Não somos europeus nem americanos do norte, mas, destituídos de cultura original, nada nos é estranho, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro".
Só uma auto-estima muito apequenada, somada ao mal-estar que impregna o ambiente político nacional, podem explicar o despautério de confundir o pacto, ou concertación, catarinense, feita às claras, no primeiro turno, com qualquer coisa diferente da ética da responsabilidade ensinada por Max Weber.
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ORIGEM DA CRÍTICA
Editorial de A Notícia
A tríplice aliança
A opinião pública está constatando que a coerência ideológica e a preservação de identidades são figuras de retórica também em Santa Catarina Em decorrência de acertos realizados à última hora, o PMDB de Santa Catarina conseguiu formalizar coligação com o PFL e o PSDB para a eleição de outubro próximo, vinculando na mesma campanha e no mesmo palanque políticos adversários e discursos opostos. A opinião pública no Estado acompanha a movimentação política das últimas semanas, e constata que a coerência ideológica e a preservação de identidades são, de fato, figuras de retórica também em Santa Catarina. O ex-prefeito de Lages Raimundo Colombo, do PFL, que permaneceu durante meses na televisão criticando os gastos do atual governo no processo de descentralização, exibindo até varais com dezenas de cabides para demonstrar o empreguismo das secretarias regionais, não apenas desistiu da candidatura a que se propôs ao renunciar ao restante do mandato de prefeito, como se tornou aliado do candidato a que se opunha tão severamente. De outro lado, o governador Luiz Henrique, do PMDB, que por tantos anos se exibiu como advogado fervoroso no combate às oligarquias políticas, agora é aliado de Jorge Bornhausen, engajado na eleição ao Senado de seu afilhado político, o ex-prefeito Colombo. Da mesma forma o senador Leonel Pavan, do PSDB, que desde o início do mandato sempre se manteve como feroz crítico do PMDB, suplicando cargos na estrutura estadual de governo de forma nem sempre diplomática, além de defender candidatura própria ao governo, também mudou bruscamente de posição e se acomodou na posição de vice da tríplice aliança. Mudanças verticais e surpreendentes, sem dúvida!Mesmo às voltas com as emoções da Copa do Mundo e com os jogos da Seleção Brasileira nos gramados da Alemanha, o eleitor catarinense está certamente contabilizando tão paradoxais alianças políticas. Não apenas porque surpreendentes e contraditórias, mas principalmente porque revelam interesses privados de poder, muito acima de estratégias políticas ou de conquistas partidárias.O que se esboça é a pura e simples opção pragmática por cargo e poder, independentemente da coerência ideológica ou partidária. Em nome da viabilidade eleitoral, partidos e candidatos não hesitam em oferecer ao eleitor a sopa rala da velha e ambivalente demagogia política. Aliás, o que acontece em Santa Catarina também se registra nos demais Estados, com as mais inusitadas coligações e com as mais insólitas combinações políticas, tudo em nome da vitória nas urnas. Os candidatos e os partidos políticos agem sem o menor resquício de compostura ética, o que pode ser fatal se o eleitor estiver sensibilizado para as alianças menos aceitáveis. A oposição certamente não se descuidará em exibir essas evidências, mostrando as incoerências dos adversários e a distância entre o discurso e a prática política.
Carta do Leitor em A Notícia - 29/6/2006
Parabéns pelo editorial sobre a tríplice aliança (A Notícia, 28/6/2006, p. A2). É a primeira manifestação da imprensa catarinense sobre esta "geléia geral".Marcos Bayer, advogado - Florianópolis
Artigo em A Notícia - 30/6/2006
Quantum - Marcos Bayer, advogado
Quando alguém está isolado numa luta, os circunstantes se perguntam: por que ele está assim? Para se conseguir êxito em qualquer projeto na vida, é necessário um quantum de energia, trabalho, inteligência e, às vezes, dinheiro. Na política, a coerência muitas vezes leva ao isolamento. Já vivi meu nas eleições municipais de 1985, apoiando determinado candidato. Mas o isolamento tem suas vantagens: pode levar à vitória e, tão importante quanto, provoca uma reflexão na sociedade. Quando alguém está isolado numa luta, os circunstantes se perguntam: por que ele está assim?Questionar é um exercício necessário, pois é a partir das perguntas que obtemos respostas para nossa evolução. Então, vamos lá: Quanto de energia foi gasto pelo governador licenciado para obter o apoio daqueles a quem chamava de oligarcas? Quanto de trabalho foi despendido pelo ex-prefeito de Lages, pretendente declarado ao Executivo estadual, para apoiar os responsáveis pela descentralização administrativa, denominada por ele como cabide de empregos? Quanto de inteligência precisou o PSDB catarinense, jovem partido com futuro promissor, para apoiar aquilo que chamava de retrógrado e ultrapassado? Qual a distância que separa a realidade das ruas da propaganda oficial veiculada nas televisões? Quanto sobrou daquele PMDB que falava em transparência, lisura, coerência e autenticidade? Quanto se gastou em viagens internacionais e quais os resultados objetivos alcançados pelo atual governo em benefício da sociedade catarinense?O que será farsa e o que será verdade na campanha eleitoral de 2006? Quais os temperos e condimentos usados no banquete de confraternização ao qual compareceram os responsáveis por essas contradições? O que significa a prática de uma política denominada "velhaca"? São perguntas dessa natureza que deveremos fazer ao longo da campanha eleitoral. São essas as reflexões que se impõem aos catarinenses. Nosso futuro político, econômico, educacional e ético depende dessas ponderações. Com que cara os candidatos olharão para seus eleitores? Como pretender que a atividade política seja levada a sério depois de todos estes arranjos e concertos? Será que não percebem que é a população que responderá a essas questões? O que pensa o contribuinte catarinense sobre essas arrumações? É obrigação cívica de cada um de nós fazer esse tipo de reflexão. Afinal, somos nós todos que pagamos essa conta. Quantum?