12 novembro 2006

ORTOTANÁSIA: UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL
A OAB paulista opina que deve ser levado em conta o que a opinião pública pensa a respeito da Ortotanásia. Seria o caso, então, de questionar o que a opinião pública pensa a respeito da pena de morte: a OAB deixaria por conta dela a decisão de adotá-la ou não? Talvez seja o caso de argüi-la sobre a prerrogativa de os advogados de Marcola ou Fernandinho Beira-Mar visitarem seus clientes na cadeia. Ou, por que não?, sobre o privilégio de os donos de canudo universitário merecerem tratamento VIP, com direito a celas especiais. Sinceramente, prefiro a opinião abalizada do Conselho Federal de Medicina, que, sem o epidêmico vírus do politicamente correto, com base na vivência prática, baixou resolução que normatiza a questão.

Visando colaborar com a discussão, compartilharei minha experiência pessoal, que inclui uma revelação sobre a os motivos que levam os médicos a, sistematicamente, decretarem o caminho da quimioterapia para pacientes terminais de câncer.

Minha mãe teve diagnosticada a recidiva de um câncer no pulmão, infelizmente em estágio metastático. A orientação médica, como é de praxe, foi a quimioterapia (com tudo o que ela representa em termos de sofrimento e desconforto). Não me conformando em vê-la submetida ao conhecido padecimento físico e espiritual, consultei outros dois oncologistas que, obviamente (e essa obviedade é explicada mais adiante) repetiram o encaminhamento: quimioterapia.


Ainda inconformado, procurei um irmão de meu pai, médico (ortopedista!), que, depois de analisar as imagens tomográficas, confirmou a gravidade e irreversibilidade do caso. Mas, para minha surpresa, afirmou que iria consultar um colega oncologista. Repeti que já havia ido a três e todos tinham sido taxativos na prescrição da quimioterapia. Ele insistiu na consulta a seu colega, sem revelar em quê ela poderia diferir das anteriores.

Dias depois, ele me chamou. Seu colega oncologista havia lhe dito que, se fosse sua mãe, a levaria para casa para que ela pudesse usufruir seus últimos meses de vida em conforto, com o carinho dos seus entes queridos, a comidinha, o travesseiro, o jornal de manhã, a novela à noite, além de todas as quinquilharias caseiras que fazem parte do universo de pequenos prazeres, afetos e afinidades eletivas de cada um de nós.

Intrigado, perguntei a que se devia disparidade tão radical em relação às demais orientações. E aqui vai a dica, que, evidentemente, não se aplica a todos os casos. Segundo meu tio, na relação médico-paciente o profissional não pode deixar de recomendar a quimioterapia, sob o risco de vir a ser processado por incúria, negligência ou seja lá o termo jurídico que se aplique. Como ele havia consultado o colega na condição de amigo, este pôde dizer-lhe o que seria, de fato, mais aconselhável, pois, segundo ele, o CA alcançaria o coração ou o cérebro antes que a medicação contra as dores começasse a não fazer mais efeito.

E foi o que fizemos, eu e meus irmãos, garantindo à nossa amada e saudosa mãe, que, aparentemente, desconhecia a fatalidade da situação, um final de vida digno, amoroso, feliz, pleno de calor humano e muito afeto.

Quando tomamos essa decisão, nem sabíamos tratar-se dessa tal Ortotanásia, que, infelizmente, tem o mesmo radical de Eutanásia, significando, porém, coisa absolutamente diversa, mas sofrendo as conseqüências maléficas desse parentesco lingüístico. A primeira é uma homenagem à vida, a segunda, sua negação.

Em relação à decisão que tomamos, vêm-me à lembrança as palavras de Goethe, em suas Afinidades Eletivas:

"A quietude paira sobre sua morada; anjos serenos, seus afins, olham-nos do espaço".

6 comentários:

Anônimo disse...

Nada é mais humano, no meu modo de entender, do que proporcionar um final digno e prazeroso às pessoas que amamos, sem pensar na nossa consciência.
Quando negamos esse fim,estamos pensando sòmente no quanto nossa conciência poderia pesar, isso não é amor e sim egoísmo humano.

Anônimo disse...

Caro Junqueira:

belo post. Estou aqui também para agradecer o oportuno e bem escrito comentário que vc deixou lá no meu blog e que contribui para esse velho debate sempre renovado a respeito da indolência do brasileiro. A forceps, vc tem razão, não se conseguirá o pretendido e equivocado igualitarismo. Aliás, onde se tentou fazê-lo, foi na base do autoritarismo.
Cordial abraço do
Aluízio Amorim
http://oquepensaaluizio.zip.net

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog! De tanto que li comentários seus no Tio Rei, hoje caiu a ficha. E clicando, clicando, cheguei até aqui. Extraordinário, sincero, comovente mesmo o depoimento sobre sua mãe. E é ótimo encontrar aqui com Ortega y Gasset, uma necessidade do presente. Bem a propósito de sua iniciativa, em "História como Sistema": "o homem é o seu projeto". E "cada vida é um ponto de vista sobre o universo. Em rigor, o que ela vê, não o pode ver outra. Cada indivíduo - pessoa, povo, época - é um órgão insubstituível para a conquista da verdade". Sucesso.

Anônimo disse...

Perfeito! Concordo plenamente. Nossa família já passou pela mesma situação e tomamos a mesma decisão.

Zé Costa disse...

É difícil analisar uma situação tão particular, mas saiba caro Junqueira que quando nos damos conta de nossa finitude, quando não nos resta senão a dor e o sofrimento num prolongamento de vida que é quase morte, a malhor saída é desfrutar esses últimos instantes valorizando as pequenas coisas que quando somo jovens e saudáveis negligenciamos. Numa hora como essa, uma crença religiosa passar a ser fundamental para enfrentar esses dissabores.

um abraço.

Anônimo disse...

Aprendi muito