10 julho 2006

NEW VIRA-LATAS
Nelson Rodrigues é autor de frases brilhantes, quase sempre reveladoras do caráter brasileiro. Uma das mais conhecidas, e citadas, é a que fala do “complexo de vira-lata” do brasileiro, traço, segundo ele, acentuado com a derrota da seleção em 1950 e atenuado com a vitória de 1958. Ele acreditava que, diante dos louros e bem nutridos atletas anglo-germânicos, a nossa gente bronzeada era acometida de pânico e, ao invés de mostrar o seu valor, gania que nem vira-lata. Para ele, a gente não sabia ganhar, tinha medo de ganhar. Em outro contexto, desenvolveu assim o mesmo conceito: "O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Nossa tragédia é que não temos o mínimo de auto-estima”.

Lembrei de Nelson Rodrigues depois de ler um editorial (“Tríplice Aliança - 28/06) e um artigo (“Quantum” - 30/06) publicados no jornal A Notícia. Ambos, com estranha semelhança, tanto na veemência, como na fragilidade dos argumentos, lançam seus petardos contra a vitoriosa engenharia política costurada pelo candidato à reeleição Luiz Henrique da Silveira.
Será, mesmo, tal aliança digna de tanto fel, rancor e condenação? Nelson Rodrigues tinha outra frase lapidar: "Deve-se sempre desconfiar dos veementes, pois eles estão sempre a um passo do erro e da obtusidade”. É o caso, sem dúvida. Do articulista não se poderia esperar nada melhor do que expôs, haja vista suas notórias relações partidárias. Já do editorialista esperava-se um comportamento mais apolíneo, equilibrado, analítico.

Será que nem o editorialista nem o articulista nunca ouviram falar do Pacto de Moncloa, e dos brilhantes resultados que legou à Espanha? Ou da “Concertación” chilena, que tantos benefícios já trouxe àquele país?
No Chile, a coalizão que governa desde 1990 é a “Concertación por la Democracia”, bloco integrado por democrata-cristãos, socialistas, social-democratas e radicais. Ao final do mandato de Michele Bachelet, a coalizão terá completado vinte anos no Governo, algo inédito num país caracterizado por antagonismos ideológicos tidos como insuperáveis. Para os analistas, o respeito às diferenças legítimas e a capacidade de acertar programas comuns são os fatores que deram vida e solidez à “Concertación”, cujos governos conseguiram triplicar o PIB para US$ 110 bilhões, elevar a renda per capta para US$ 7.300 e reduzir o índice de pobreza de 40% para 18%”.
Na Espanha, o Pacto de Moncloa, firmado em 1977 por representantes de todos os partidos com participação no Congresso, sindicatos e outros setores, selou um acordo para combater a crise econômica que a Espanha enfrentava e garantir as bases legais do moderno Estado democrático espanhol. Em menos de 30 anos, a Espanha passou de 25ª para 8ª economia mundial, e, agora, o compromisso de todos - governos, empresas e cidadãos - é tomar da Itália o posto de 7ª economia do mundo.
Já no Brasil, infelizmente, parece estar se multiplicando uma nova subespécie - o "new vira-lata" -, cuja característica básica é a decepção íntima, profunda, dilacerante, fundamental com a política e os políticos em geral. Tudo que o “new vira-lata” mais adoraria é que seus antepassados tivessem embarcado no Mayflower ou fossem da árvore genealógica de Tocqueville (esq.). Outros, ainda mais equivocados (e desmoralizados), continuam sonhando com pseudo-soluções stalinistas, leninistas ou gramscianas.
Algo já antevisto pelo intelectual Paulo Emílio Salles Gomes, que disseca, com arte, a nossa alma: "Não somos europeus nem americanos do norte, mas, destituídos de cultura original, nada nos é estranho, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro".
Só uma auto-estima muito apequenada, somada ao mal-estar que impregna o ambiente político nacional, podem explicar o despautério de confundir o pacto, ou concertación, catarinense, feita às claras, no primeiro turno, com qualquer coisa diferente da ética da responsabilidade ensinada por Max Weber.
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ORIGEM DA CRÍTICA
Editorial de A Notícia
A tríplice aliança
A opinião pública está constatando que a coerência ideológica e a preservação de identidades são figuras de retórica também em Santa Catarina Em decorrência de acertos realizados à última hora, o PMDB de Santa Catarina conseguiu formalizar coligação com o PFL e o PSDB para a eleição de outubro próximo, vinculando na mesma campanha e no mesmo palanque políticos adversários e discursos opostos. A opinião pública no Estado acompanha a movimentação política das últimas semanas, e constata que a coerência ideológica e a preservação de identidades são, de fato, figuras de retórica também em Santa Catarina. O ex-prefeito de Lages Raimundo Colombo, do PFL, que permaneceu durante meses na televisão criticando os gastos do atual governo no processo de descentralização, exibindo até varais com dezenas de cabides para demonstrar o empreguismo das secretarias regionais, não apenas desistiu da candidatura a que se propôs ao renunciar ao restante do mandato de prefeito, como se tornou aliado do candidato a que se opunha tão severamente. De outro lado, o governador Luiz Henrique, do PMDB, que por tantos anos se exibiu como advogado fervoroso no combate às oligarquias políticas, agora é aliado de Jorge Bornhausen, engajado na eleição ao Senado de seu afilhado político, o ex-prefeito Colombo. Da mesma forma o senador Leonel Pavan, do PSDB, que desde o início do mandato sempre se manteve como feroz crítico do PMDB, suplicando cargos na estrutura estadual de governo de forma nem sempre diplomática, além de defender candidatura própria ao governo, também mudou bruscamente de posição e se acomodou na posição de vice da tríplice aliança. Mudanças verticais e surpreendentes, sem dúvida!Mesmo às voltas com as emoções da Copa do Mundo e com os jogos da Seleção Brasileira nos gramados da Alemanha, o eleitor catarinense está certamente contabilizando tão paradoxais alianças políticas. Não apenas porque surpreendentes e contraditórias, mas principalmente porque revelam interesses privados de poder, muito acima de estratégias políticas ou de conquistas partidárias.O que se esboça é a pura e simples opção pragmática por cargo e poder, independentemente da coerência ideológica ou partidária. Em nome da viabilidade eleitoral, partidos e candidatos não hesitam em oferecer ao eleitor a sopa rala da velha e ambivalente demagogia política. Aliás, o que acontece em Santa Catarina também se registra nos demais Estados, com as mais inusitadas coligações e com as mais insólitas combinações políticas, tudo em nome da vitória nas urnas. Os candidatos e os partidos políticos agem sem o menor resquício de compostura ética, o que pode ser fatal se o eleitor estiver sensibilizado para as alianças menos aceitáveis. A oposição certamente não se descuidará em exibir essas evidências, mostrando as incoerências dos adversários e a distância entre o discurso e a prática política.
Carta do Leitor em A Notícia - 29/6/2006
Parabéns pelo editorial sobre a tríplice aliança (A Notícia, 28/6/2006, p. A2). É a primeira manifestação da imprensa catarinense sobre esta "geléia geral".Marcos Bayer, advogado - Florianópolis
Artigo em A Notícia - 30/6/2006
Quantum - Marcos Bayer, advogado
Quando alguém está isolado numa luta, os circunstantes se perguntam: por que ele está assim? Para se conseguir êxito em qualquer projeto na vida, é necessário um quantum de energia, trabalho, inteligência e, às vezes, dinheiro. Na política, a coerência muitas vezes leva ao isolamento. Já vivi meu nas eleições municipais de 1985, apoiando determinado candidato. Mas o isolamento tem suas vantagens: pode levar à vitória e, tão importante quanto, provoca uma reflexão na sociedade. Quando alguém está isolado numa luta, os circunstantes se perguntam: por que ele está assim?Questionar é um exercício necessário, pois é a partir das perguntas que obtemos respostas para nossa evolução. Então, vamos lá: Quanto de energia foi gasto pelo governador licenciado para obter o apoio daqueles a quem chamava de oligarcas? Quanto de trabalho foi despendido pelo ex-prefeito de Lages, pretendente declarado ao Executivo estadual, para apoiar os responsáveis pela descentralização administrativa, denominada por ele como cabide de empregos? Quanto de inteligência precisou o PSDB catarinense, jovem partido com futuro promissor, para apoiar aquilo que chamava de retrógrado e ultrapassado? Qual a distância que separa a realidade das ruas da propaganda oficial veiculada nas televisões? Quanto sobrou daquele PMDB que falava em transparência, lisura, coerência e autenticidade? Quanto se gastou em viagens internacionais e quais os resultados objetivos alcançados pelo atual governo em benefício da sociedade catarinense?O que será farsa e o que será verdade na campanha eleitoral de 2006? Quais os temperos e condimentos usados no banquete de confraternização ao qual compareceram os responsáveis por essas contradições? O que significa a prática de uma política denominada "velhaca"? São perguntas dessa natureza que deveremos fazer ao longo da campanha eleitoral. São essas as reflexões que se impõem aos catarinenses. Nosso futuro político, econômico, educacional e ético depende dessas ponderações. Com que cara os candidatos olharão para seus eleitores? Como pretender que a atividade política seja levada a sério depois de todos estes arranjos e concertos? Será que não percebem que é a população que responderá a essas questões? O que pensa o contribuinte catarinense sobre essas arrumações? É obrigação cívica de cada um de nós fazer esse tipo de reflexão. Afinal, somos nós todos que pagamos essa conta. Quantum?

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