16 agosto 2006

O PARADOXO DO BRASILEIRO


Há 2500 anos, o filósofo chinês Confúcio já ensinava que "o homem de bem exige tudo de si próprio; o homem medíocre espera tudo dos outros".

Neste momento, em que começa a reta final das eleições, depois dos quatro anos mais infernais da história política brasileira, quando fomos expostos a todos os círculos do inferno, é fundamental que se tenha algum parâmetro a nos guiar, como Virgílio fez com Dante, pelo inferno e purgatório, e Beatriz, pelo céu.
Os mais pessimistas apelam para Fernando Pessoa para decretar que o Brasil, hoje, não passa de um “cadáver adiado que procria”. Outros, mais otimistas, oram com a mesma fé que o clérigo e escritor inglês Charles Caleb Colton: “A adversidade é um trampolim para a maturidade”. Há também os neocínicos, que não vêem nenhum problema, pois tudo isso que se está vendo hoje “é o que sempre se fez, sistematicamente, neste país”.
Durante muito tempo, as cabeças pensantes brasileiras estiveram separadas entre ortodoxos e heterodoxos. Hoje, estão todas unidas em torno do desafio à lógica que é autopsiar o paradoxo brasileiro.

Cada um de nós isoladamente tem o sentimento e a crença sincera de estar muito acima de tudo isso que aí está. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado final de todos nós juntos é precisamente tudo isso que aí está. Este é o paradoxo do brasileiro. O brasileiro é sempre o outro, não eu”, decifra o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca.



Apaixonado pelo Brasil, o psicanalista italiano Contardo Calligaris odeia uma das nossas marcas registradas: a malandragem, que, para ele, “é uma conduta moral de uma criança de 9 anos”. A aceitação e convivência generalizadas com essa “pequena” anomalia impedem a construção de uma coletividade regida por leis, baseada na institucionalidade.
O paradoxo brasileiro, bem ao estilo sartreano (“O inferno são os outros”), faz com que joguemos todas as culpas sobre o Congresso, esquecidos da lição do publicista argentino Barraquero, para quem “os homens não prosperam nem são livres quando têm boas leis, senão quando as praticam fielmente, as amam e as respeitam”.
O publicitário norte-americano Calderhead Jackson dizia que “não é a maioria que é silenciosa; o governo é que é surdo”. Por aqui, além de um Governo Federal surdo, temos, também, uma maioria não apenas silenciosa, mas indiferente, apática, anômica.

Roberto Campos, um dos gênios da raça, tão incompreendido em seu tempo (exatamente por estar à frente de seu tempo) já alertava sobre essa postura pusilânime ao ensinar que “nenhuma sociedade pode florescer, ou mesmo funcionar, se o seu povo não se sente responsável por ela".
A ser pessimista, otimista ou cínico, prefiro ser realisticamente esperançoso. A base para isso, mais um paradoxo, é a gravidade da situação a que chegamos.

Veja o que diz o psicólogo norte-americano Lawrence Kohlberg (esq.), respeitado pesquisador da moralidade: “As sociedades são passíveis de evoluir dos estágios inferiores de moralidade para os superiores como resultado da evolução moral dos indivíduos. Esse processo pode ser acelerado pela exposição dos indivíduos a dilemas morais que questionem as bases do raciocínio que sustenta suas convicções e a situações que permitam o exercício constante de assumir a perspectiva do outro”.
Momentos de crise agônica, como a vivida por São Paulo, ou de incerteza paroxística, como a gerada pela desmoralização das instituições, são propícios para saltos, ou de qualidade, ou para abismos. Eles podem suscitar tanto o surgimento de salvadores da pátria, populistas tresloucados aos moldes de Chaves, como induzir a um reordenamento coletivo, em que os atores busquem redefinir sua participação no contexto social, como se as instituições estivessem colocadas em xeque para se ver até que ponto estão dispostas a cumprir integralmente seus papéis. A explicitação de tensões, como diz Kohlberg, pode fazer com que a sociedade, tendo ingerido, como um avestruz, toda sorte de alimentos indigestos, resolva regurgitar aquilo que o estômago rejeita.


Finalizo, beirando um otimismo mais desejoso do que realista, com a sentença de um dos mais lúcidos jornalistas brasileiros, Fernando Pedreira, na edição de 23/03/91 do Estadão: “Embora padrões morais elevados possam conferir a um homem e a seus filhos pouca ou nenhuma vantagem sobre outros membros de sua tribo, ainda assim o avanço da moralidade e o aumento do número de homens moralmente bem-dotados certamente darão a uma tribo imensa vantagem sobre as outras”.

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